O Globo, n. 32788, 15/05/2023. Economia, p. 9

Haddad entra em campo no Congresso

Victoria Abel
Geralda Doca
Sérgio Roxo


Depois de passar a semana no Japão, para o encontro de ministros de Finanças do G7, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, desembarcou ontem no Brasil com a missão de destravar a pauta econômica mais importante do governo Luiz Inácio Lula da Silva: o arcabouço fiscal.

Na semana passada, enquanto era dia no Brasil, Haddad acordava de madrugada no Japão para tratar da articulação política e falar com os secretários Gabriel Galípolo, Rogério Ceron e Marcos Pinto. De volta ao país, o ministro vai reforçar pessoalmente a articulação política no Congresso, e, segundo fontes do Planalto, está ciente de que terá de negociar.

Haddad se reúne hoje com o presidente Lula e, durante a semana, vai abrir a agenda para receber líderes dos partidos da base do governo e da oposição. Segundo interlocutores do Planalto, o ministro teria garantido ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que o Executivo vai seguir liberando emendas parlamentares.

Auxiliares do ministro consideram inevitáveis mudanças no texto e prometem que os próximos dias serão de foco total para se chegar a um consenso com a Câmara dos Deputados. Na noite de hoje, representantes do governo devem se reunir com Lira e o relator do texto, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), mas ainda não há confirmação se Haddad participará ou se enviará interlocutores. Aliados afirmam que a figura do ministro pode ser necessária caso impasses permaneçam.

Cajado disse ontem que pretende concluir o esboço do relatório hoje até meiodia, para apresentar o texto na reunião à noite. O relator, que evita antecipar pontos do relatório para não travar as discussões, afirmou que primeiro vai conversar com os líderes para costurar um texto que seja consensual:

— Vamos buscar um acordo possível para ter os votos que garantam a aprovação.

O texto final deve ser disponibilizado na véspera da votação em plenário, amanhã ou quarta-feira, a depender da decisão de Lira e dos líderes.

Fogo amigo

Parte dos entraves é causada por parlamentares da base governista, principalmente do PT. Deputados petistas cogitam apresentar emendas ao projeto do novo marco fiscal, na tentativa de garantir espaço para investimentos e aumentos do salário mínimo. A posição, porém, vai contra a orientação do Planalto, que não quer interferências de aliados no debate com o relator. O líder do PT na Câmara, Zeca Dirceu, afirmou que o esforço será por mudanças mínimas no texto:

— Trabalho para que não tenhamos mudanças. Acho que haverá, sim, mas serão mudanças que não tiram a capacidade do governo investir e ampliar programas

Após criticar o bate-cabeça na base aliada na última semana, Cajado ressaltou a necessidade de participação mais intensa do governo para que o projeto seja votado:

— Não sou governista, e nem o presidente da Câmara poderá sê-lo. Cabe ao líder do governo, José Guimarães, sua base e o governo se empenharem para dar apoio.

Segundo Cajado, o principal ponto a ser discutido é como garantir o cumprimento da meta. Punições, disse, não estão em debate:

— Não queremos falar em criminalização ou ajustes draconianos. Queremos trabalhar para ter regras que sejam perseguidas. O que fazer no caso de descumprimento para se perseguir a meta? Há várias sugestões e não queremos impor nada, queremos encontrar um consenso entre quem pensa de uma forma ou de outra.

No sábado, em visita ao interior de São Paulo, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, mostrou otimismo com as perspectivas para a aprovação do arcabouço fiscal:

— Estou otimista. Já começa segunda-feira a reunião com os líderes, o presidente da Câmara, para fecharmos o calendário de votação. Estou otimista, sim, que é possível e necessário aprovarmos o mais rápido possível a lei de responsabilidade social e fiscal. Partidos da base aliada, PSD e MDB sinalizaram fidelidade ao governo na votação da proposta. Mas cobram maior participação na elaboração do texto final e não descartam apresentar destaques na votação, caso as sugestões não sejam consideradas.

— Somos governo, nos sentimos governo e queremos colaborar com o governo. Queremos participar enquanto governo —disse o líder do PSD, Antonio Brito (BA).

O partido sugeriu, por exemplo, a inclusão de um artigo que dê segurança de que não haverá aumento de impostos. A legenda comandada por Gilberto Kassab também quer a descrição de sanções para gestores públicos no caso de descumprimento das metas fiscais.

O MDB faz parte de um blocão partidário que inclui legendas como o Republicanos. O líder do MDB, Isnaldo Bulhões (AL), acredita que o partido de Marcos Pereira deixará as divergências de lado:

— Acho que o bloco partirá unido. Se tiver pontos de divergência, vamos discutir. O bloco é muito harmônico, mesmo o Republicanos.

Próxima etapa: Senado

Mas na oposição, apesar da disposição da Fazenda para dialogar, a ala mais à direita do PL, aliada de Jair Bolsonaro, não quer saber de conversas e dá como certos os votos do partido contra o arcabouço.

— O teto de gastos é bom. Podemos até avaliar melhorar o teto de gastos, mas não retroceder para um modelo de piso de gastos que não garante a sustentabilidade da dívida pública —disse o líder da oposição, deputado Carlos Jordy (PL-RJ).

Assim que o novo marco fiscal avançar para o plenário da Câmara, o que o governo espera que aconteça ainda esta semana, Haddad e seus auxiliares abrirão imediatamente o diálogo com líderes do Senado. As primeiras reuniões serão com o líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), e o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Uma vez aprovado o arcabouço fiscal também no Senado, a equipe econômica se dedicará às conversas sobre a reforma tributária.

O grupo de trabalho (GT) para o tema na Câmara deve adiar em uma semana a apresentação de seu relatório preliminar. A previsão é que o primeiro texto seja levado aos deputados a partir de 23 de maio. A data anteriormente prevista era 16, mesmo dia do encerramento oficial do GT.

Na avaliação de técnicos da equipe econômica, o atraso foi positivo. O entendimento é que o alvo, agora, é o arcabouço fiscal. E o governo ganha tempo para fazer uma bateria de negociações em torno da reforma tributária.

O relatório do GT deve ser debatido em um seminário nos dias 23, 24 e 25 deste mês. A partir daí surgirá o texto final. Só então o relator da reforma tributária, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), construirá o substitutivo que irá a votação na Câmara.