O Globo, n. 32787, 14/05/2023. Opinião, p. 3

Igualdade racial?

Benedito Gonçalves


Na sexta-feira, dia 5 de maio de 2023, a mídia divulgou imagens de um casal negro sendo interrogado e estapeado em Salvador, em loja da mesma rede de supermercados onde foi assassinado João Alberto Silveira Freitas, homem negro espancado até a morte em 2020, em Porto Alegre. Lamentavelmente, não foram os únicos negros atingidos pelos efeitos racistas entranhados na coletividade.

Essa é a realidade de homens e mulheres negros cuja vida é tomada por descartável por muitas pessoas.

Sinto-me direta e profundamente impactado por tais crimes e reitero meu completo repúdio ao racismo! Entendo que minha grande representatividade como único ministro negro no Superior Tribunal de Justiça, como coordenador da Comissão de Promoção de Igualdade Racial no Tribunal Superior Eleitoral e enquanto presidente da Comissão de Juristas criada pela Câmara dos Deputados demanda uma constante batalha antirracista.

Do trabalho na Comissão de Juristas na Câmara dos Deputados, resultou um relatório, com mais de 500 páginas, com o propósito de tornar a promoção da igualdade racial uma política perene de Estado, por meio da inclusão de diferentes propostas de aperfeiçoamento da legislação antirracista.

No plano legislativo, portanto, o objetivo da comissão foi dar continuidade a uma batalha antiga: avançar na quebra das correntes que impedem a emancipação do povo negro e no pacto de silêncio que, embora enfraquecido pelas nossas lutas, ainda tenta abafar o sofrimento e também as alegrias de negros e negras deste país. Apesar dos avanços legais que marcaram o relatório final da comissão, reconheço que ainda há muito o que fazer para coibir o racismo.

A discriminação racial persiste porque há um viés inconsciente, julgamentos automáticos que todas as pessoas fazem sobre as outras. É um olhar usado em situações para as quais as pessoas são treinadas culturalmente.

Se não saímos do modo automático, ninguém percebe agir com preconceito. Só porque não vemos a hostilidade racial se manifestar o tempo todo, não se pode dizer que ela não esteja por aí.

Espero que tais cenas tormentosas nunca o tenham afligido. Se isso já ocorreu, você provavelmente tem ideia do que é ser negro no Brasil. Se os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 56,1% da população brasileira é negra, como aceitar que, num país tão diverso, a discriminação racial ainda persista?

Como muito bem afirmou a filósofa americana Angela Davis e destacou a brilhante filósofa brasileira Djamila Ribeiro, não cabe a mim apenas não ser racista. Logo, é imperioso que meu posicionamento antirracista seja manifestado de forma enfática, diariamente. É preciso contestar a ideia do inconsciente coletivo de que o negro vale menos.

Ratifico que a adoção de medidas de combate ao racismo — por meio de decisões no Poder Judiciário e instituição de políticas públicas pelos Poderes Legislativo e Executivo — é um caminho sem volta, até que se chegue ao total respeito da dignidade da pessoa humana, independentemente da cor da pele.

Para além dos avanços legais, o enfrentamento à discriminação racial engloba refutar o racismo estrutural e deve continuar como prioridade das instituições públicas, privadas e de toda a sociedade brasileira.

Por meio da compreensão da população sobre o que é racismo e da efetividade de ações públicas em todos os Poderes, mais pessoas negras ocuparão posições de destaque, terão voz e representatividade, acabando, assim, com a triste e cruel classificação de que negros devem ser subjugados ou subalternos.

Toda a repulsa aos atos de racismo é imperiosa, até que tristes barbáries, tais como as noticiadas e as milhares não divulgadas, não mais ocorram em nossa nação. Com racismo, não existe democracia ou justiça!

Que toda intolerância racial um di deixe de ser parte de nosso cotidiano, para que finalmente o sonho de todos os negros brasileiros, expresso nas sábias palavras de Martin Luther King, seja realizado: que seus filhos não sejam qualificados pela cor da sua pele.