O Globo, n. 32787, 14/05/2023. Política, p. 4

Moeda de troca

Bernardo Mello


Alvo recorrente de ingerências políticas, bancos públicos como a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil sofrem pressões por uma guinada em alinhamento ao governo Lula (PT) neste início de mandato. Além de anseios de aliados por gestos que demarquem distância da gestão de Jair Bolsonaro (PL), duas tentativas recentes de retirar patrocínios do BB a entidades que se aproximam do bolsonarismo sinalizaram uma nova frente de cobranças sobre dirigentes dessas instituições. Parlamentares e movimentos ligados ao PT também articulam indicações em cargos relevantes de outros bancos estatais, como o BNDES e o Banco do Nordeste. Um dos movimentos explícitos de pressão partiu do ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), Paulo Pimenta. Ele anunciou a retirada do apoio do Banco do Brasil à feira agrícola Agrishow, há duas semanas.

A declaração foi um contra-ataque à decisão do presidente da feira, Francisco Matturro, de desconvidar o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, numa tentativa de privilegiar a ida de Bolsonaro à abertura do evento. A cerimônia acabou cancelada após a repercussão negativa entre entidades rurais. Aliados de Fávaro e Lula ouvidos reservadamente pelo GLOBO classificaram como “imaturidade” a reação do governo, embora também tenham criticado a tentativa da Agrishow de gerar um “palanque político” para Bolsonaro com recursos públicos. Como o acordo comercial do BB com a feira agrícola já estava assinado, o banco manteve ações previstas no evento e alinhavou mais de R$ 2 bilhões em crédito agrícola. Por outro lado, a presidente do BB, Tarciana Medeiros, nomeada com aval da cúpula petista, e diretores cancelaram presença.

Manifestações de atletas

O Banco do Brasil também virou instrumento de pressão sobre a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV), cujos dirigentes chegaram a desautorizar manifestações de atletas contra Bolsonaro na pandemia. No início de maio, o Conselho de Ética do Comitê Olímpico do Brasil recomendou o fim do patrocínio do banco à CBV após a entidade apoiar o atleta bolsonarista Wallace, punido por incitação à violência ao sugerir dar um “tiro na cara” de Lula. O relator do processo contra Wallace no conselho do COB, instaurado a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), foi o desembargador federal Ney Bello, que inicialmente suspendeu Wallace por 90 dias. Bello recomendou o agravamento das sanções, inclusive com corte de patrocínio, após o descumprimento da suspensão original. Em nota, a AGU apoiou as sanções e disse que “auxiliará o cumprimento (...) de medidas a serem tomadas pelos órgãos da administração pública federal”.

Para o cientista político Carlos Melo, do Insper, há um problema “quando fica explícito o caráter político” na atuação dos bancos, embora considere que, nos dois episódios, o governo reagiu só após Agrishow e CBV infringirem normas legais:

— O governo Bolsonaro, ao desmontar mecanismos de controle, aprofundou a mistura de relações institucionais dos bancos com posturas político-ideológicas. Já o cientista político Murillo Aragão, da Arko Advice, pontuou que os bancos públicos têm tradicionalmente presença substancial no fomento de áreas como habitação e agronegócio.

— Existe uma mistura potencial de dependência, subsídios e uso político — avaliou. Na semana passada, o banco formalizou a indicação do seu novo vice de agronegócio, único posto de comando que estava vago. O escolhido, Luiz Gustavo Braz Lage, fez parte da diretoria do BB no primeiro mandato de Lula e mantém proximidade até hoje com quadros petistas que também atuaram no banco, caso do exvice-presidente 

de crédito Adézio de Almeida Lima. Duas indicações para a diretoria feitas na mesma leva da escolha de Lage, no entanto, reabriram pressões sobre o banco. A Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (ContrafCUT), entidade que chancelou as escolhas do Ministério da Fazenda para comandar o Banco do Brasil e a Caixa após a posse de Lula, classificou os diretores Pedro Bramont e Antonio Chiarello de “pessoas muito próximas” a Bolsonaro, e cobrou a gestão do BB a trocar estes e outros nomes que tiveram postoschave na antiga gestão: “Ignorar essa orientação atrapalha, em muito, a implementação das novas diretrizes políticas do atual governo”.

A presidente da Caixa, Rita Serrano, também é cobrada a fazer uma “faxina” de aliados do ex-presidente do banco, Pedro Guimarães, exonerado em agosto do ano passado em meio a denúncias de assédio sexual — ele já virou réu no caso e nega as acusações. O GLOBO apurou que as cobranças a Serrano, ligada à deputada federal Érika Kokay (PT-DF), partem de lideranças do partido e até de dentro da Casa Civil, por uma suposta lentidão na apresentação de nomes.

O conselho da Caixa aprovou somente no último mês a nomeação de Marcelo Bomfim para a vice-presidência de Governo, responsável por financiamentos a estados e municípios. Bomfim ocupava a presidência do Banco de Desenvolvimento de Minas (BDMG), nomeado pelo governador Romeu Zema (Novo), adversário do Planalto. Sua indicação à Caixa foi atribuída ao deputado Miguel Ângelo (PT-MG).

Manejo reiterado

As indicações políticas avançaram também no Banco do Nordeste, tradicional feudo do PT cearense em gestões anteriores. O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), emplacou uma aliada, Eliane Brasil, na superintendência estadual. No caso do BNDES, o governo articula usar a participação do banco no conselho de empresas privadas, como a JBS, para abrir espaço à ex-senadora Kátia Abreu (PP-TO), conforme revelaram os colunistas do GLOBO Lauro Jardim e Malu Gaspar. Abreu, que apoiou Lula em 2022, foi cotada para a direção do BB, mas acabou barrada pela Lei das Estatais.

Na gestão Bolsonaro, o Banco do Nordeste abrigou dirigentes apadrinhados pelo presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto. Já o BB e a Caixa foram usados para abertura de linhas de crédito para bases eleitorais, como caminhoneiros, taxistas e agentes de segurança. Antes, no governo Dilma Rousseff (PT), os patrocínios e financiamentos esportivos da Caixa foram expandidos às vésperas do impeachment de 2016, num momento em que a então presidente buscava ampliar capital político.