Título: Corrupção `chic¿
Autor: Dalmo de Abreu Dallari
Fonte: Jornal do Brasil, 16/07/2005, Outras Opiniões, p. A13

Um dos temas de maior evidência na imprensa brasileira tem sido a corrupção. A cada dia surgem novas informações sobre modalidades diferentes de corrupção, causando espanto a quantidade de dinheiro envolvida em negociatas e práticas fraudulentas, bem como a notícia do envolvimento de pessoas que por sua história de vida, por sua posição social ou por sua alta situação em setores da organização pública jamais se imaginaria que participassem de práticas corruptas. Percebe-se que no tratamento escandaloso das acusações de corrupção há influência de fatores mais ou menos ocultos, que levam ao tratamento diferenciado de pessoas e situações.

É comum falar-se na corrupção no setor público, mantendo na sombra pessoas e entidades privadas que participam da corrupção, muitas vezes como principais beneficiárias. Em outros casos a leitura atenta do noticiário mostra que algumas vezes a simples menção ao nome de uma pessoa, de um partido político ou de uma instituição já serve de base para condenações indignadas, mesmo que não se aponte qualquer prova, ao mesmo tempo em que os órgãos de imprensa reagem indignados à menção de outras pessoas e organizações, mesmo que neste caso haja a indicação de elementos probatórios ou de fortes indícios. Parece que se faz uma seleção entre os bons e os maus corruptos, entre os corruptos detestados e os de estimação.

Um fato novo é a ocorrência de ações policiais visando pessoas altamente situadas na sociedade, pessoas que freqüentemente aparecem na imprensa participando de acontecimentos importantes da área econômica ou que são conhecidas como integrantes da elite social. Nesses casos a antiga indignação, que antes era dirigida à inoperância da Polícia, toma sentido inverso e se transforma em indignação pelos excessos da Polícia. Como é evidente, a cobrança mais exigente era quanto aos crimes geralmente praticados por pessoas das camadas mais pobres da população. Mas ultimamente passou-se a mencionar também a necessidade de combate mais rigoroso aos chamados ''crimes de colarinho branco''.

Nos últimos meses a Polícia Federal vem ocupando o noticiário dos jornais com bastante freqüência, porque se iniciou uma fase de combate aos criminosos de colarinho branco. E o que se tem verificado é que aquilo que se cobrava em tese vem desagradando quando ocorre na prática, sendo comuns as acusações de arbitrariedade e de abuso da Polícia, porque trata como criminosas pessoas que pertencem ao lado respeitável da sociedade. Na realidade, as pessoas que realmente querem o combate à corrupção deveriam estar felizes, aplaudindo a expansão das ações policiais, pois o que se tem visto, examinados os fatos com serenidade, é que a Polícia só tem agido quando já tem elementos que valem como prova cabal ou, pelo menos, início de prova, de que foram ou são praticadas ações ilegais. A par disso, as ações policiais têm sido precedidas de autorização judicial e têm sido executadas nos limites da autorização legal.

A última ação da policia atingindo pessoas da elite foi levada a efeito numa butique (o neologismo já está consagrado) de alto luxo da cidade de São Paulo, tendo sido feita a apreensão de documentos claramente comprobatórios de várias fraudes, inclusive de uma tremenda sonegação de tributos, o que é crime contra o povo. Segundo o noticiário, há vários meses as autoridades fazendárias acompanhavam a movimentação da referida butique e procuradores federais vinham orientando as ações, para que tudo se desenvolvesse dentro da lei. No início da ação policial foram detidos os principais responsáveis pelo estabelecimento, o que tem amparo legal, pois não há dúvida de que se fossem alertadas por uma convocação ou por um convite para esclarecimentos elas teriam eliminado os elementos de prova das ilegalidades.

Ações semelhantes, visando a corrupção ''chic'', passaram a ser desenvolvidas também em outros países. Falar em corrupção nesses casos pode parecer muito forte, mas a sonegação de tributos, a importação ilegal, o uso de documentos falsos para obter maior proveito econômico, a fraude contra a legislação trabalhista, o uso de relações pessoais para obter e manter privilégios ilegais, tudo isso configura corrupção, talvez uma ''corrupção chic'', mas corrupção.