Título: Curso de corruptologia
Autor: Alfredo Ruy Barbosa
Fonte: Jornal do Brasil, 16/07/2005, Outras Opiniões, p. A13

Tive a honra e a alegria de ser aluno do saudoso professor Roberto Lyra na Faculdade de Direito da antiga UEG (atual UERJ). Ele era um dos mais respeitados juristas de Direito Penal deste país. Com sua ampla cultura jurídica e uma admirável oratória, desenvolvida ao longo da sua experiência como promotor de Justiça, brindou a minha turma com as aulas mais brilhantes que tivemos naquela faculdade. Quase sempre ocorria uma espontânea salva de palmas no final das suas aulas. E isso em outras turmas também.

Ao iniciar o seu curso, o professor Lyra nos ensinou, desde cedo, que o Direito Penal era, na realidade, o Direito dos Pobres. Pessoas ricas nunca são presas neste país, disse ele, já que possuem recursos para protelar o caso, por meios nem sempre éticos, para que o crime ou a ação penal prescreva. Já os ladrões de galinha, que não podem recorrer a esses artifícios, ficam presos durante anos sem qualquer esperança.

Diante da vergonhosa situação que estamos hoje vivendo, vejo como estava certo o professor Lyra. Quem assistiu pela TV algumas sessões da CPI dos Correios ou da Comissão de Ética pode estar seguro de que fez um rápido, mas eficiente, curso de ''corruptologia''. Basta lembrar as expressões que foram constantemente utilizadas por aqueles que estão sendo investigados nessas CPI's: ''Nunca ouvi falar do tal mensalão''; ''Soube dos fatos pela imprensa''; ''Aquele vídeo é uma armação'' etc. Fizeram, também, escola neste país as famosas expressões: ''Não são minhas essas contas na Suíça'' e ''Esse dinheiro não é meu''.

Essa é, basicamente, a técnica dos criminosos e dos corruptos espertos: desviar a atenção sobre os seus crimes, denunciando eventuais infrações cometidas pelos seus colegas. Até um criminoso comum, já experiente nesse ''fogo cruzado'', também se vale desse artifício, apontando seus cúmplices como os verdadeiros responsáveis pelo crime cometido.

Quando a opinião pública está atenta alguns políticos corruptos podem até perder seus mandatos, mas, em seqüência, raramente são abertos processos penais contra eles, apesar de já não estarem ''blindados'' com a imunidade (leia-se ''impunidade'') parlamentar que os protege durante seus mandatos.

O nosso obsoleto Código de Processo Penal permite, por exemplo, que os ''riquinhos'', que podem apelar até aos tribunais superiores, saíam da cadeia mesmo que tenham ajudado a matar os seus pais. Os ''filhinhos de papai'' também não sofrem qualquer sanção penal, mesmo que dirijam seus carrões pelas ruas a 120 quilômetros por hora, matando pessoas desprevenidas e inocentes. Já uma moça pobre, que roubou um xampu num supermercado, fica presa até o julgamento final do seu caso, quando será, certamente, condenada a muitos anos de reclusão em regime fechado, ou seja, sem qualquer direito à liberdade.

Os políticos imorais e aéticos fazem, desde o início, um curso de ''corruptologia'', com alguns técnicos experientes nessa ''arte'', para aprender a melhor forma de escapar do xadrez. Talvez façam até um mestrado no exterior, onde a corrupção é muito mais sofisticada. Afinal, alguém já viu, aqui ou lá fora, um político corrupto atrás das grades?

Já dizia o professor Lyra que, em todo o mundo, o Direito Penal é, de fato, o Direito dos Pobres. Mas, neste momento, o Brasil poderia dar um exemplo pioneiro neste mundo injusto, transformando o Direito Penal numa regra aplicável a todos, sem qualquer distinção. Seria uma bela homenagem não só ao meu mestre, mas, principalmente, à toda a Nação.