Título: Quebra de patentes como retaliação
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Fonte: Jornal do Brasil, 16/07/2005, Economia & Negócios, p. A21

O Brasil deu ontem um passo que pode ser determinante para os processos de retaliação no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). O país pediu autorização para suspender direitos de propriedade intelectual - patentes - dos Estados Unidos no valor de US$ 3 bilhões.

A medida é uma retaliação contra os subsídios americanos à produção de algodão, que já foram condenados pela OMC, mas ainda não foram eliminados pelos EUA até o prazo estipulado de 1º de julho. No fim de junho, os americanos propuseram mudanças nos programas de garantias de crédito à exportação. O Brasil viu no gesto uma disposição de cumprir a determinação da OMC. Entretanto a prática mais nociva, o chamado Step 2 - pagamento a exportadores e à indústria para comprar o algodão norte-americano a preços mais altos que os de mercado - continua em vigor.

Embora o Itamaraty acredite que o Congresso dos EUA vá votar a retirada do Step 2 este ano, o Brasil decidiu se antecipar e garantir a adoção de medidas contra os EUA.

- Muitas outras coisas precisam ser feitas - disse o embaixador brasileiro Luiz Felipe de Seixas Corrêa.

A suspensão dos direitos de propriedade intelectual pode ser uma saída viável para que os países em desenvolvimento consigam retaliar as nações ricas na OMC.

No pedido enviado ontem à OMC, o Brasil deixou claro que a assimetria entre as economias dos dois países - o PIB americano é 20 vezes maior que o brasileiro - impossibilita a eficácia do método tradicional de retaliação, a elevação das tarifas de importação de produtos americanos.

''O aumento dos custos de importação terá um impacto negativo significativo sobre os atuais esforços para controlar as pressões inflacionárias'', diz o texto enviado à OMC.

A favor do Brasil, há um precedente aberto pelo Equador. Numa disputa contra a União Européia pela abertura dos mercados europeus à importação de banana produzida pelo país, o Equador solicitou à OMC a utilização de quebra de patentes européias no país. O pedido foi aprovado, mas não chegou a ser posto em prática porque, diante da ameaça, a UE recuou.

A professora de direito comercial internacional da USP Maristela Basso, especialista em quebra de patentes, diz que só o ''efeito psicológico'' da solicitação brasileira à OMC já pode acelerar a eliminação dos subsídios por parte dos EUA.

Mas, se sob o aspecto jurídico internacional o Brasil tem sinal verde para adotar esse tipo de sanção, internamente a questão é um pouco mais complexa. Segundo Maristela, a quebra de patentes de empresas multinacionais que operam no Brasil pode violar direitos individuais das empresas garantidos pela legislação brasileira. Para resolver esse dilema, seria necessário fazer ajustes. Com esse intento, tramita na Câmara um projeto de lei do deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ) que estabelece a suspensão temporária dos direitos de patente quando ocorrer descumprimento de compromissos assumidos na OMC.