Título: Por dentro do campo de batalha
Autor: Paulo Celso Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 17/07/2005, País, p. A2

Há pouco mais de um mês, desde que surgiram os seguidos escândalos que atingiram a cúpula do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Congresso Nacional está parado. Os discursos inflamados nos plenários da Câmara e do Senado cederam os holofotes à pequena Sala 2 da Ala Nilo Coelho. Um ambiente de 90m2, mal refrigerado, com apenas dois banheiros, e que abriga hoje os debates da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios. Além dos depoentes e dos 64 parlamentares titulares e suplentes da CPI, passam pela sala diariamente (leia-se terças, quartas e quintas-feiras, os dias em que o Congresso funciona) dezenas de deputados que não são membros da comissão, jornalistas, fotógrafos, assessores e outros funcionários da Casa, como garçons e copeiras. Por trás do sério trabalho investigativo, está também uma disputa política incisiva, que muitas vezes quase chega ao pugilato, como já aconteceu entre a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL) e o deputado Maurício Rands (PT-PE); e na última semana entre o senador Sibá Machado (PT-AC) e o deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB). Essa batalha campal cria as situações mais inusitadas da comissão. O senador Sibá Machado demonstra como a bancada petista tem formado um exército, comandado por ele e pela senadora Ideli Salvati (SC), com os deputados Jorge Bittar (RJ), Maurício Rands (PE) e José Eduardo Cardozo (SP):

¿ Tem os parlamentares que atuam como vigilantes, para dar apoio sempre que precisarmos. Mas nós cinco só podemos nos ausentar da sala se as condições permitirem. E mesmo assim, se for ao banheiro, tem de ficar ouvindo os debates pelos alto-falantes da Casa ¿ explicou.

Além da superlotação dos dois únicos banheiros da sala, outro problema enfrentado no dia-a-dia tem sido a alimentação. O corre-corre e a falta de tempo de deputados e senadores para almoçar tem dado lucro ao dono da lanchonete próxima à sala da CPI. Desde o início da comissão, a birosca vive lotada. O aumento no movimento, no entanto, não garante a fatura. Segundo o atendente Erilton Vieira Lima, o Magrão, parlamentares pegam saduíches, mas ¿esquecem¿ de pagar, e poucos voltam para corrigir o erro.

¿ Não sei de nada que está acontecendo. Sei que está tendo depoimento porque tenho trabalhado muito ¿ reclama Magrão.

Outra opção são os sanduíches oferecidos pelo próprio Senado, que dividem opiniões e racham partidos. O deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR) garante que na hora da fome os sanduíches de presunto e queijo parecem caviar. Seu correligionário Eduardo Paes (PSDB-RJ) é mais crítico:

¿ São uns sanduichinhos vagabundos.

Com o passar do tempo, a comida tem melhorado. Na sala dos sanduíches (pois é proibido comer no plenário), já são servidos sucos de goiaba e de maracujá, este último muito recomendado pelo presidente da Comissão, senador Delcídio Amaral (PT-MS), sobretudo após as disputas da última quinta-feira.

Por incrível que pareça, as quintas-feiras, justamente quando a CPI não faz interrogatórios, são os dias mais tensos na comissão. Com a sessão dedicada integralmente à votação dos requerimentos de convocação de testemunhas e acusados, os parlamentares da oposição e do governo travam verdadeiras batalhas. Com a ajuda dos assessores, invocam o regimento, a Constituição ou qualquer lei que possa ajudá-los.

Os assessores são os anjos da guarda dos deputados. Tanto parlamentares quanto a mesa diretora têm consultores especializados nas áreas jurídica, administrativa e técnica, que, geralmente, são os responsáveis por dissecar as pilhas de documentos que chegam diariamente à CPI. Segundo os parlamentares, na maioria das vezes, são os assessores que formulam as perguntas, já que os parlamentares não têm tempo de ler todo o material.

A fila na porta da comissão começa às 6h30, quando chega a senadora Heloísa Helena (PSOL-AL). Em seguida aparecem Eduardo Paes (PSDB-RJ) e Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA). A pressa é para serem os primeiros a assinar a lista pelo direito de argüir. Heloísa é considerada imbatível:

¿ Sou sertaneja. Acordo cedo e sempre dormi pouco ¿ enfatiza a senadora, que sempre guarda lugar para a deputada Denise Frossard (PPS-RJ) e para os senadore Jefferson Péres (PDT-AM) e Pedro Simon (PMDB-RS).

Argüir cedo tem também importância na transmissão da TV. Desde que começou, a CPI domina o noticiário político, revelando parlamentares antes pouco conhecidos. No rol das novas estrelas do Congresso, estão os governistas Sibá Mendes (PT-AC), Ideli Salvatti (PT-SC), Maurício Rands (PT-PE) e José Eduardo Cardozo (PT-SP). Da oposição, surgem Eduardo Paes (PSDB-RJ), ACM Neto (PFL-BA), Onyx Lorenzoni (PFL-RS) e Gustavo Fruet (PSDB-PR). Fruto da superexposição na mídia, o sucesso desses parlamentares é explicado por um velho mandatário, o senador Heráclito Fortes (PFL-PI):

¿ Na CPI, com transmissão da TV, as pessoas ficam mais eloqüentes, todos querem dar o seu recado ¿ conclui.