Título: ''Valério não quer cair sozinho''
Autor: Leila Youssef e Nelson Carlos de Souza
Fonte: Jornal do Brasil, 17/07/2005, País, p. A5

Depois de Roberto Jefferson, a secretária Fernanda Karina Somaggio, 32 anos, ex-secretária de Marcos Valério de Souza na agência SMPB, é a principal fonte de acusação do maior escândalo dos últimos tempos. Mas, assim como ajudou provocar um dos maiores abalos políticos do país, o mesmo fez com sua vida desde que assumiu as denúncias contra o seu ex-patrão, acusado pelo deputado Roberto Jefferson de ser o operador financeiro do mensalão e de outras irregularidades. Em menos de dois meses, essa mineira saiu do anonimato para as páginas de todos os jornais e revistas do país, além de rádios e TVs. Hoje, Fernanda Karina dá autógrafos na rua, confirma sondagem de uma revista para posar nua ¿ proposta que descarta no momento por considerar inadequada diante dos fatos ¿ e admite sair candidata a algum cargo eletivo na próximas eleições. Fernanda vai mais além. Em sua conversa com o Jornal do Brasil, ela deixa claro que as investigações ainda não chegaram às pessoas importantes do esquema de dinheiro envolvendo o PT, garante que Valério não é um laranja (pessoa que assume negócio para ocultar outros), não está sozinho, e que foi o medo de ser preso que o levou a tentar, em vão, trocar informações por uma redução de pena em caso de condenação.

Primeiro em entrevistas e depois em depoimentos, Fernanda Karina revelou que havia um movimento de malas de dinheiro na agência do ex-patrão onde trabalhou entre 2003 e 2004 e que Valério mantinha freqüentes contatos com o ex-secretário de Finanças do PT, Delúbio Soares. Na sexta-feira, Valério disse que Delúbio escolhia os nomes do PT para quem os bancos deveriam liberar o dinheiro dos empréstimos que ele, Valério, fazia.

Karina se define como uma pessoa zen e talvez seja por isso que não se arrepende de nada do fez e, se fosse necessário, faria tudo de novo.

¿ Como esta sua vida depois dos depoimentos na CPI dos Correios e no Conselho de Ética? Mudou muito? ¿ Mudou demais e está muito agitada. Não consigo mais viver como anteriormente. Agora, as pessoas estão me pedindo até autógrafos. Fico com vergonha, mas aconteceu a primeira vez em Brasília, com um policial rodoviário federal. Ontem (quinta-feira), foi aqui em Belo Horizonte, um veterinário que me parou num parque próximo a minha casa. Eu fiquei sem graça mas dei os autógrafos.

¿ A senhora se arrepende do que fez? ¿ Não me arrependo de nada e faria tudo de novo. Como já afirmei diversas vezes, fiz tudo pela minha família, pelo meu país. Acredito num Brasil melhor.

¿ De que maneira a senhora é abordada pelas pessoas nas ruas? ¿ Elas estão solidárias comigo, me dando total apoio. Eles me parabenizam pela atitude e pedem para eu continuar denunciando e para tomar cuidados com a minha segurança. Alguns chegam a falar que, se todos agissem como eu, as coisas melhorariam no Brasil e essas denúncias já teriam vindo a tona muito antes.

¿ O que a sua família está achando disso tudo? ¿ Eu tenho uma menina de oito anos que está sofrendo muito com tudo isso. Anda meio rebelde. Não estava acostumada com essa agitação, essa movimentação na minha casa. O telefone não pára um minutos. Não temos mais sossego.

¿ A senhora está sofrendo alguma pressão? Alguma ameaça?. ¿ Não sofremos pressão e nem ameaça, mas estamos tomando cuidado, seguindo orientação de todos os amigos. Já pedi proteção policial, mas até o momento ninguém me respondeu. Eu acho necessário o cuidado, a preocupação, a segurança, pois tem muita gente envolvida nas minhas denúncias e muitos interesses.

¿ Desde que a senhora fez as denúncias, muita coisa aconteceu. Documentos da agência de Marcos Valério foram encontrados, em parte, incinerados. Há informações relevantes ali? ¿ Acredito que sim. Sempre é possível encontrar alguma coisa nova. É só se debruçarem sobre o material com atenção que encontrarão alguma coisa.

Marco Túlio Prata, irmão do contador do seu ex-patrão é o policial amigo que fazia grampos telefônicos para Valério, como a senhora se referiu nos seus depoimentos? Não. O policial civil que me referi é uma outra pessoa. Esse rapaz eu nunca vi na vida e nem ouvi falar. O irmão dele, o contador Marco Aurélio Prata passava por lá quase todos os dias.

¿ Acha que é verdade essa história de que Valério teria enterrado documentos comprometedores em uma fazendas? ¿ Eu acho meio complicado enterrar um cofre, não sei se o Marcos Valério fez isso.

¿ A senhora soube se Valério depositava dinheiro para parlamentares de outros partidos, além do PT? ¿ Não sabia de nada disso. Essa para mim é novidade.

¿ A senhora se sentiu intimidada pela forma que alguns parlamentares lhe dirigiam perguntas na CPI? Me senti mais apertada no Conselho de Ética porque lá os deputados me chamaram de mentirosa e fingida. Fiquei para baixo. Na CPI dos Correios eles agiram diferente, e apenas insinuaram que eu poderia ter tido um caso extra-profissional com o Marcos Valério, mas eu não me importei, pois isso nunca ocorreu. Sou muito bem casada e amo minha família.

¿ A senhora pensa em processar alguém quando tudo isso acabar. Os deputados, por exemplo? ¿ Eu não vou processar ninguém, pois estava lá para falar a verdade e falei. Quem deve julgar os parlamentares que estavam lá me arguindo, me apertando é a população. Eu só sei de uma coisa, a partir de agora todos olharão para os políticos de uma maneira diferente. Quem tem que se preocupar com isso é eles.

¿É verdade que o PSDB a convidou para disputar eleição. ¿ Foi uma sondagem com o meu advogado. Mas primeiro temos que terminar essas CPIs para depois pensar nisso.

¿ A senhora foi convidada para posar nua na revista Playboy? -Na verdade ligaram também para o meu advogado, o doutor Rui e ele disse que não era a hora.

¿ O que a senhora sabe sobre o envolvimento de Marcos Valério com o deputado federal petista João Paulo Cunha? ¿ Sei apenas que Marcos trabalhou para o deputado no período em que João Paulo era presidente da Câmara. Me lembro de algumas reuniões na SMPB, mas eu achava que o assunto tratado pelos dois era a respeito de eleições municipais. Não sei nada mais. O deputado era muito discreto.

Você acompanhou as reuniões para o fechamento de contratos com o ex-presidente da Câmara, João Paulo? Poucas coisas. Bem no final de dezembro. Tinha um grupo político que estava começando a trabalhar no final do ano. Era o Lula, o Luiz Costa Pinta, o Márcio Iran, da DNA e o Marcos Coimbra, do Vox Populi e mais algumas pessoas para fazer só as campanhas políticas para prefeitos. Foi no final de 2003. O Luiz Costa Pinta, que nós já sabíamos que era assessor do deputado, se apresentava assessor do PT, do partido.

¿ Alguma vez a senhora falou com o João Paulo? ¿ Nunca. Sempre que liguei para o gabinete do deputado, em Brasília, falava apenas com a secretaria dele, a Silvana.

E com o ex-presidente do PT, José Genoino, o Marcos conversava? Não. Eu não fiz nenhum contato deles.

Na CPI, Marcos Valério foi perguntado se deu emprego a um dos filhos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A senhora tomou conhecimento disso? R ¿ Não presenciei nada e nem sei nada a respeito desse rapaz.

Ainda vão aparecer novos personagens nessa história? Com certeza, vários nomes novos vão aparecer, mas tudo depende do que o Marcos vai falar.

A senhora acha que Valério está acuado? Acho. Ele é do tipo que não quer cair sozinho.

¿ O que a senhora acha do fato do Marcos ter ido até o procurador-geral fornecer informações em troca de redução de sua pena? ¿ Eu acho que ele está com muito medo de ser preso. Na verdade, todo mundo está em cima dele, pressionando, mas ele não está sozinho nessa. Ele não é o único responsável. Mas também não é um laranja. Ele faz parte de um esquema e sabe de muita coisa. Acho que tem que ser olhado para todos os lados. Olhar para o PT, para todos os políticos. Quem é do bem e quem é ruim. Acho que na Câmara e no Senado há muita gente competente, mas também há pessoas...

Os nomes de parlamentares e assessores que constam da lista que foram ao Banco Rural, falavam com freqüência com Marcos Valério? Não, deveriam falar direto no departamento financeiro. A Simone pode falar melhor disso.

¿ Como a senhora acha que a população deve se comportar nas próximas eleições? ¿ Todos devemos fazer uma reflexão. Olhar para o Marcos, as coisas que ele fala, para o PT, e para todos os político de todos os partidos e ver quem é do bem e quem não é. Acredito que na Câmara ainda existam muitas pessoas do bem e que merecem o nosso apoio.

¿ A sua agenda esta ajudando os parlamentares nas investigações. A senhora se lembra de mais algum nome que ainda não tenha revelado até agora? ¿ É bom ficar bem claro que existem nomes na minha agenda que eu nem conheço, Não sei quem são e nem o que fazem. Estão aparecendo uns nomes agora que eu falava com eles e não sabia, naquela época, que eram políticos ou pessoas ligadas a políticos.

¿ A senhora acha que vai ser fácil conseguir emprego como secretária, uma vez que revelou detalhes da vida de um ex-patrão? ¿ Acho que se for uma empresa séria não tem que ter medo de nada não. É o que acho.