Título: Casamento desfeito
Autor: Mariana Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 17/07/2005, Economia & Negócios, p. A18

Não é só aço e lucros vistosos que a CSN vem produzindo nos últimos anos. A siderúrgica parece querer colecionar também desafetos entre empregados, ex-funcionários e moradores de vida inteira da cidade de Volta Redonda. As queixas recorrentes são as decisões unilaterais e quase sempre pouco populares tomadas pela gestão de Benjamin Steinbruch à frente da empresa.

Ecos desse sentimento já foram parar no periódico americano The New York Times e inspiraram um livro lançado recentemente com o título A Usina da Injustiça, do jornalista Ricardo Tiezzi (Geração Editorial). Bastou para levantar poeira sobre o ar denso da cidade industrial no interior do Estado do Rio de Janeiro e expor de vez a relação de amor e ódio que a usina mantém com a cidade que a viu nascer e crescer.

Tiezzi recolheu depoimentos ressentidos de pessoas que não se acostumaram aos chamados tempos modernos. Isso porque, depois da privatização, a empresa fechou a Reserva da Cicuta - usada para caminhadas -, acabou com a horta comunitária mantida por aposentados no Bairro 60 e, mais recentemente, pediu de volta os terrenos onde funcionam cinco clubes na cidade - Náutico, Umuarama, Fotofilotélico, Aeroclube e Versátil. O que inspirou desabafos como do arcebispo da cidade, Waldyr Calheiros: ''Privatizaram não apenas a siderúrgica, privatizaram a cidade'', registrado no livro de Tiezzi.

- Aposentados plantavam para consumo próprio. Um dia a empresa mandou cercar o terreno. Os idosos iam lá de madrugada para regar a horta do lado de fora da cerca. Pouco depois, colocaram máquinas e destruíram a horta - narra o empresário Roberto Balbi Filho, que tem parentes vizinhos ao terreno, onde hoje não há nada.

Em 1993, a CSN foi vendida ao grupo personificado por Steinbruch, mas que tinha participação do BNDES, Previ e Bradesco. Além do parque fabril, entraram no edital de privatização terrenos que pertenciam à estatal espalhados pela cidade. Em 2001, os demais sócios ficaram com a Vale do Rio Doce e entregaram a CSN ao empresário. Recentemente, a família Steinbruch comprou a parte dos sócios Rabinovich no negócio e assumiu o controle isolado da empresa.

A relação da companhia com fornecedores locais azedou quando a CSN se negou a integrar o Pólo do Médio Paraíba, que está reunindo empresas que atuam na região, como Volkswagen, Saint Gobain e Peugeot, para o desenvolvimento de uma representação para defender interesses comuns. Segundo empresários, a CSN teria declinado alegando que não precisava de ''intermediários institucionais''.

- A CSN não tem uma relação normal com Volta Redonda e lamentamos muito isso. Ela é um orgulho para nós, que muitas vezes temos parentes, filhos ou já trabalhamos na usina. Mas parece que existe o intuito de cortar esses laços - conta Balbi, que já trabalhou na CSN e é presidente do Sindicato dos Metalúrgicos das Indústrias Metalmecânicas do Médio Paraíba (Metalsul).

Procurada, a empresa preferiu não se pronunciar.

No escritório do Ministério Público da cidade, constam mais de 30 procedimentos contra a empresa só no âmbito do meio ambiente. Uma delas, narrada no livro de Tiezzi, é a contaminação do bairro de Volta Grande 4 por escória - resto da produção de aço. Segundo promotores estaduais, a empresa já admitiu a contaminação por naftaleno (substância altamente tóxica) da região. No inquérito, sobram depoimentos de moradores indignados com a impossibilidade de usar a área para plantar ou ter poço. O MP ainda vai decidir qual punição pedirá à empresa, mas garante que o crime já foi caracterizado. A investigação caminha no mesmo sentido de uma ação perdida no mês passado pela empresa, que prevê que a CSN pague por todos os danos ambientais causados à cidade, mesmo antes da privatização. A empresa informou que pretende recorrer da decisão e que, desde 2000, já investiu US$ 120 milhões em 130 ações de correção ambiental.