Título: ''Lula não deve ir para a reeleição''
Autor: Mariana Santos
Fonte: Jornal do Brasil, 17/07/2005, Brasília, p. D3

Integrante da Ação Popular Socialista (APS), corrente de esquerda do PT, a deputada federal Maninha tem se mostrado uma dura crítica da política de alianças adotada pelo governo Lula. Chegou a se posicionar contrariamente à orientação do Palácio do Planalto em dois momentos, os quais lhes renderam punições da direção nacional: durante votação do salário mínimo do ano passado e na reforma da previdência. Em entrevista ao JBa ex-secretária de Saúde do DF durante a gestão Cristovam Buarque (1995-98) foi taxativa ¿ Lula deveria abdicar da reeleição e tomar as rédeas da política econômica; receita para, segundo ela, ¿dar a volta por cima¿ sobre a grave crise ética que atinge o PT, que virou alvo de denúncias de corrupção. Maninha reclama ainda da falta de acesso dos parlamentares petistas ao presidente. Nome forte do partido no DF, a médica foi eleita deputada federal pela primeira vez, depois de dois mandatos seguidos na Câmara Legislativa, com 98 mil votos, emplacando a melhor colocação do PT no pleito. Ela disputa com a ex-vice-governadora Arlete Sampaio a indicação das esquerdas para concorrer às prévias, que escolherão o nome petista à sucessão do GDF em 2006. ¿Mas não vamos tirar no palitinho, é nosso grupo quem vai definir quem se encaixa melhor no cenário¿, garante.

¿ Diante da troca de comando na Executiva nacional do PT, qual cenário a senhora enxerga neste momento em que o PT enfrenta uma crise ética? ¿ Não é um bom cenário. Vamos trabalhar na defensiva, porque o partido sempre foi diferente dos demais. Diferente na sua organização interna, na sua concepção, e pela principal bandeira, que é a questão da ética. Nessa reorganização que o partido fez internamente, resolveu apenas um problema ao afastar os dirigentes sob suspeição, embora consideremos que eles sejam inocentes. Para um partido como o PT vale aquela máxima que a mulher de César, além de honesta tem que parecer honesta. Com a saída dos companheiros e a vinda de outros, com Tarso Genro assumindo a presidência, Berzoini, Pimentel e Humberto Costa, o PT resgata essa imagem. Mas dois outros problemas persistem. O da democracia interna no partido, porque nessa recomposição nós que somos da esquerda do PT continuamos alijados do processo de comando da direção. Pelo que estamos ouvindo do Tarso e dos que assumiram, não mudará nada na relação.

¿ Essas mudanças no governo trazem uma despetização? ¿ Sim. E uma das principais críticas que nós do campo da esquerda fazemos, além da política econômica, que não concordamos, é a política de alianças do governo. Sempre dissemos nos traria problemas. Dissemos, no início do governo, que acatávamos a vontade do governo de ampliar suas alianças, mas alertávamos que é uma política perigosa. Não deu outra. Esperávamos do presidente, neste momento, não despetizar e ampliar aliança, e que Lula, assim como o PT, fosse duro, cortasse na carne de petistas que viessem a ter problemas. E a gente percebe o inverso. Ele amplia com o PMDB ¿ com setores do PMDB, nem é o PMDB por inteiro ¿ e despetiza mais ainda.

¿ A senhora está falando do PT como um todo ou da esquerda do PT? ¿ Todos nós, PT, a bancada. Nessa crise toda, o partido não está discutindo com ministros ou com o próprio presidente, quais os rumos que o presidente vai tomar. Não conheço, no mundo, nenhuma experiência de mudança de ministérios que não seja tratada com o principal partido de apoio de um governo. Que sejamos comunicados através da imprensa do que está acontecendo, de que não sejamos partícipes dessa política. Queremos ser convencidos, podemos até estar errados. Mas a gente quer discutir. São decisões de cúpula. Somos críticos, como partido, a esta ação. Será que nunca poderemos discutir política econômica do governo com o presidente da República?

¿ Mesmo com a saída de cena do agora deputado José Dirceu a senhora acha que isso continua fechado? ¿ Não sentimos nenhuma mudança até agora. Ainda não estivemos com o presidente Lula, não estivemos com a ministra Dilma Rousseff. Nada mudou até agora.

¿ A senhora falou algumas vezes que é favorável à abertura das contas do PT. O deve ser feito agora para um processo de moralização? ¿ Não trabalho sob essa visão de moralidade dentro do partido. Prefiro falar do processo ético. Há muito tempo o PT vem sofrendo o desvio da sua concepção de um partido de esquerda para a centro-esquerda, numa concepção de um partido social-democrata, que hoje ele é. Esse partido evidentemente sofreu transformações internas, não só da sua construção programática, como da visão que os seus dirigentes formulam.

¿ Isso é fruto de que? ¿ É fruto de um processo interno de modificação conceitual. No momento em que assumimos a Presidência da República, houve uma aceleração dessas mudanças internas do partido, nessa confusão que se estabeleceu de partido-governo. Ou seja, o partido tem que pensar igual ao governo. Não é verdade. O partido é o senso crítico do governo. É para isso que ele existe. E o governo é montado numa outra lógica, não é um governo de um único partido, é um governo de coalizão. Essas transformações modificaram de tal maneira o partido, que começamos a ter também dentro do partido, projetos pessoais. Projetos, por exemplo, de que vamos governar por 20 anos. E aí para governar por 20 anos, você tem que estabelecer metas e ações que talvez não sejam as metas e ações que o PT estabeleceu no seu conjunto. Neste momento, o PT precisa dar uma guinada, mas uma guinada e uma reflexão profunda.

¿ Foi isso o que aconteceu, na sua opinião, quando se percebeu a vitória do Lula? Pensou-se logo em prolongar o mandato? ¿ Acho que sim. Existe uma máxima que diz: os fins justificam os meios. E não é bem assim. Acho que o PT tem que fazer uma reflexão interna profunda. Primeiro, temos que recuperar a democracia interna do PT, o respeito das maiorias pelas minorias. Temos o modelo único, que é a organização por tendência dentro do partido. Ao longo do tempo essa organização está demonstrando a intolerância da maioria para com a minoria. Tivemos exemplos de expulsões, de punições. Já fui punida duas vezes. Ou seja, esse processo democrático interno precisa ser resgatado.

¿ Na CPI há uma discussão sobre quebra de sigilo fiscal, bancário, de integrantes do partido. A senhora é favorável que se abra? ¿ Acho que tem que abrir tudo.

¿ Tanto dos petistas que estão sendo investigados, quanto do partido? ¿ Eles próprios já apresentaram à CPI. Então, por que eu acho isso? Volto a insistir: a mulher de César não pode ser só honesta, tem que demonstrar. Temos que demonstrar que, se realmente houve algum fato, e se há responsáveis, isso não é a regra dentro do partido. O partido é composto de milhares de militantes. Precisamos recuperar o debate interno dentro do PT e a riqueza da formulação que a gente tinha e que parou.

¿ Por que desapareceu? ¿ Desapareceu exatamente porque a maioria adotou procedimentos e regras internas que aboliram esse processo. Antigamente, por exemplo, no DF, a gente sabia quem entrava. Havia curso de formação de militantes. Hoje a pessoa vai no computador, se filia, e não sabemos quem é.

¿ Nesse quadro que a senhora está pintando existe uma parte, pelo menos, dentro do partido que está bastante indignada com isso tudo. A senhora acredita que isso pode levar a mais dissidências? ¿ A indignação não se restringe à esquerda do partido à qual eu pertenço. Essa indignação está permeando a chamada militância petista, a base do partido. Vai exigir ações dessa direção para que todas essas características não sejam perdidas.

¿ Não necessariamente saindo do partido... ¿ Eles não estão querendo sair do PT. Tenho recebido aqui centenas e centenas de e-mails. Alguns dizem que vão sair, que perderam a esperança, mas a maioria tem um discurso que é o mesmo discurso nosso, da esquerda, de que vamos recuperar esse partido, que o que alguns fizeram não significa que todos estão fazendo.

¿ A senhora ainda acredita na reeleição do presidente Lula? ¿ Acho que o presidente Lula não deveria ir para a reeleição.

¿ Por que? ¿ Primeiro porque sou contra reeleição. Foi um casuísmo o que o ex-presidente Fernando Henrique fez. E o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso não foi um bom resultado para o país. No caso do presidente eu sou contra a reeleição, mas estamos vivendo um dilema. Porque, de fato, o presidente Lula foi eleito dentro de uma regra eleitoral. Será um casuísmo abolir a reeleição neste momento porque ele foi eleito com uma regra onde a reeleição existe.

¿ Em que medida a senhora acredita que a troca na direção do partido pode influenciar nas eleições aqui no DF em 2006? ¿ O PT no DF é o partido com a maior marca. Nós, dentro de qualquer processo eleitoral, já começamos com 25% de aceitação. E a principal marca do partido no DF foi o combate intransigente à corrupção. Nós, o tempo todo, sempre batemos no governador Roriz sem dó nem piedade. Quase conseguimos provar no último julgamento que havia corrupção no governo atual e nos passados. Com todas essas denúncias estabelecidas em torno do PT, é evidente que isso vai trazer um prejuízo imenso à nossa imagem. Qual é o discurso que nós vamos adotar no palanque eleitoral? Outra dificuldade: nós somos uma cidade de servidores públicos que, evidentemente, não estão muito satisfeitos com o governo. Aumento salarial que não tiveram, ou os que tiveram, foi pequeno. A reforma da previdência, que foi extremamente desgastante. Nós podemos ter agora uma redução das bancadas, pelas dificuldades eleitorais, que também o desgaste do governo federal reflete, evidentemente, nos estados e nos municípios.

¿ Falou-se até na possibilidade de não haver candidato do PT a governador, para facilitar a reeleição. ¿ O PT nacional e as expressões públicas do PT devem levar em consideração os cenários regionais e as condições específicas que determinam esse cenário. Quem deve determinar isso é o diretório regional.

¿ A concepção era de que o Palácio do Planalto teria grande influência. ¿ Não acho que o Palácio do Planalto deva assumir uma atitude como essa, porque é uma atitude equivocada, não é uma atitude de escolher quem tem melhor viabilidade eleitoral. É querer impor candidato. Nós já passamos dessa fase. Se o PT quer recuperar a sua democracia interna, tem que respeitar as suas instâncias. E para respeitar as instâncias, são elas que, nos estados e municípios, vão dizer quem serão os candidatos no nível nacional. Por isso disse para você que a reeleição é um instrumento, eu diria, perverso, porque ela impõe até regras como essas, de querer juntar inimigos. Não há como juntar PMDB e PT no DF. É água e óleo. Temos princípios e práticas diferentes.

¿ O com o PFL do senador Paulo Octávio? ¿ Também não. Ou o governo federal não está vendo o que o PFL está fazendo agora com essas denúncias? Não vejo essa hipótese.

¿ Como fica a situação do senado Cristovam agora? ¿ O senador Cristovam, no meu ponto de vista, seria o melhor candidato para o PT. Acho que ele tem, da população brasiliense, um reconhecimento muito grande pelo governo que ele realizou. Mas ele diz que não quer ser candidato, já falou publicamente. Agora, de fato, estamos discutindo eu, Cristovam, Arlete, Paulo Tadeu, Chico Leite, Vilmar Lacerda, atual presidente do PT. Estamos compondo com vários segmentos do PT um processo de discussão para viabilizar um nome. Os nomes colocados neste momento, para esse grupo, são o da companheira Arlete e o meu. Nós queremos, entre nós duas, decidir quem tem mais chance eleitoral e aí vamos para as prévias para concorrer com o Sigmaringa e o Geraldo Magela que também postulam a indicação.