Título: Julgamento de Saddam é iminente
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Fonte: Jornal do Brasil, 18/07/2005, Internacional, p. A7

O ex-ditador do Iraque, Saddam Hussein, será julgado ''nos próximos dias'' junto com três colaboradores - e não quatro, como se disse a princípio -, afirmou ontem Raad Jouhi, chefe da equipe de investigação do Tribunal Especial Criminal (TSC), que vai conduzir o processo. Apesar de não revelar a data de início do julgamento, o procurador anunciou que esta primeira acusação formal contra os quatro é a de ''cometer um massacre contra 150 muçulmanos xiitas após uma suposta tentativa de assassinato de Saddam, em 1982''.

''Com este anúncio, o TSC entra no período de julgamento dos membros do antigo regime'', afirmou Jouhi, em comunicado. Embora o prazo legal para o anúncio da data de início das audiências seja de 45 dias, o TSC promete fazê-lo ''nos próximos dias''.

Além de Saddam, serão processados seu meio-irmão Barzan Ibrahim al Hassan, que na época era chefe do serviço de Inteligência; o vice-presidente Taha Yassin Ramadan; e Awad al Bandar, responsável pelo Partido Baath.

Autoridades iraquianas já haviam anunciado o iminente início do julgamento em outras ocasiões, mas sempre o adiavam. Os americanos, por sua vez, pediam cuidado em apressar o processo, justificando que o Iraque deve desenvolver um bom sistema judiciário antes.

Para autoridades americanas, há a preocupação de que o julgamento de Saddam possa interferir no importe processo de redação da Constituição e inflamar a tensão sectária. O governo de Bagdá deve terminar o projeto constitucional em meados de agosto, para submeter a Carta a referendo antes das eleições de dezembro, que vão substituir a administração provisória.

Saddam e seus três lugar-tenentes serão julgados por mandar a Guarda Republicana cometer ''assassinatos em massa'' e por secar terras agrícolas no Sul para impedir a fuga de perseguidos e por prender milhares de xiitas. Em 1982, quando voltava de uma visita no Norte, o presidente sofreu uma tentativa de assassinato em Duyeil, 60 km ao Norte de Bagdá. Xiitas foram acusados e se tornaram alvo de uma das ações de repressão mais severas do regime.

Também continuam as investigações sobre a responsabilidade de Saddam e seus colaboradores no esmagamento da rebelião xiita de 1991, no ataque com gás e armas químicas contra os curdos em 1988 e no assassinato de religiosos e políticos no país durante todo o regime.

O tribunal examinou 2 milhões de documentos e ouviu 7 mil depoimentos, muitos dos quais falam da existência de valas comuns abertas durante a administração do ditador, 200 delas já descobertas pelas autoridades.

Em outro indício de que o novo governo de Bagdá representa os xiitas - a maioria da população - o primeiro-ministro de transição, Ibrahim Jaafari, iniciou ontem uma histórica visita de três dias ao Irã - também de maioria xiita -, onde se reuniu com o presidente Mohamed Khatami. O ministro das Relações Exteriores iraquiano, Hoshyar Zebari, revelou que o tema em pauta era principalmente segurança.

Segundo o líder de Teerã, a viagem de Jaafari marca ''uma virada'' na até agora conturbada relação entre os dois vizinhos e vai ajudar a cicatrizar as feridas abertas por Saddam.

- A segurança de ambos os países está intimamente ligadas e o Irã fará de tudo para restabelecer a estabilidade no Iraque - afirmou Khatami, que no dia 6 será substituído pelo ultraconservador eleito Mahmoud Ahmadinejad. - A estratégia é apoiar um Iraque livre, independente e desenvolvido.

A república islâmica, suspeita por alguns adversários de querer favorecer a instalação de um regime teocrático em Bagdá, quer, ao contrário, ''a instauração de um governo democrático conforme os valores culturais do povo iraquiano'', afirmou Khatami.

- Sabemos do mal feito por Saddam Hussein aos povos da região, mas ele não representava o povo iraquiano - respondeu, por sua vez, Jaafari.

Irã e Iraque se envolveram em uma sangrenta guerra entre 1980 e 1988, na qual mais de 1 milhão de pessoas morreram.