Título: A roleta-russa do transporte coletivo
Autor: Ricardo Albuquerque
Fonte: Jornal do Brasil, 19/07/2005, Rio, p. A13

O principal meio de transporte urbano do Rio é também um dos maiores causadores de mortes no trânsito. Os acidentes com ônibus são apontados como os mais violentos nas áreas urbanas e nas rodovias, de acordo com os atendimentos feitos pelos grupamentos de socorro de emergência do Corpo de Bombeiros. O número de mortos - passageiros, motoristas e atropelados - cresceu 220% de janeiro de 2001 a dezembro de 2004. No mesmo período, o índice de pessoas feridas subiu 274,5%. Só no ano passado, 226 pessoas se feriram e oito morreram a cada mês, em conseqüência das colisões de coletivos nas ruas, avenidas e estradas do estado. As estatísticas não consideram as mortes ocorridas depois que as vítimas deram entrada nos hospitais públicos. - É provável que o número de mortes aumente caso sejam consideradas as que ocorreram após as pessoas serem encaminhadas às unidades hospitalares - explica o coronel Hugo Nascimento, coordenador do Centro de Operações do Corpo de Bombeiros.

Segundo a corporação, as avenidas Brasil, das Américas (Barra da Tijuca), Getúlio de Moura (Nova Iguaçu), Getúlio Vargas (Duque de Caxias) e Presidente Vargas (Centro) - nesta ordem - são os locais onde acontecem a maioria das ocorrências com vítimas de ônibus. Nas rodovias, a Rio-Campos e a Rio-Santos lideram os atendimentos de emergência com apoio de helicópteros.

Em contrapartida, as estatísticas também mostram que os acidentes de trânsito provocados por coletivos caíram 30% de janeiro de 2001 a dezembro de 2004, embora tenham sofrido um aumento de 6% entre 2001 e 2002. Os dados parciais do Centro de Operações do Corpo de Bombeiros indicam que 2005, em menos de sete meses, já foi mais violento do que 2001: 34 pessoas morreram vítimas de acidentes com ônibus, sete a mais do que há quatro anos. O número de feridos dobrou no mesmo período: 1.364 feridos contra 682, levando-se em consideração todos os meses de 2001.

- Essas informações não contêm os casos de colisões leves que são desfeitas rapidamente, principalmente quando um ônibus colide em outro e os danos são mínimos - observa o coronel Hugo.

Para a coordenadora do Núcleo de Apoio à Vítima do Detran-RJ, a psicóloga Maria José Amaral, os números demonstram que as empresas de ônibus deveriam investir em treinamentos específicos para buscar o controle emocional dos profissionais. Segundo ela, uma das explicações para o alto índice de mortes causadas por ônibus pode estar na carga de estresse dos motoristas.

- É preciso conhecer os fatores que levam esses homens a agir no trânsito de maneira tão violenta. As empresas precisam ser responsáveis e investir em recursos humanos de forma inteligente. Não basta treinamento de direção defensiva e promover cursos de especialização se, no fundo, ele estão estressados e acabam extravasando a raiva no trânsito - comenta Maria José Amaral, que perdeu a mãe e a filha atropeladas por um ônibus em Vila Isabel, na véspera do Natal de 2000.

O advogado Lorenzo Scaffa, especialista em indenizações, diz que mesmo as vítimas com ferimentos leves têm direito a entrar com uma ação indenizatória por danos morais ou materiais.

Segundo ele, a maioria das pessoas esquece de identificar o motorista e anotar as informações sobre o veículo (número de ordem, placa e horário do acidente), o que geralmente prejudica o processo.

- A presença de uma autoridade de trânsito ajuda nesse processo porque a empresa de ônibus é responsável por levar sãos e salvos todos os passageiros até seu destino. Outra dica é evitar fazer acordo direto com a empresa, que usa de muita habilidade para pagar menos do que a pessoa tem direito a receber - observa ele.

A Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) vai orientar as 192 empresas de ônibus que operam no Estado do Rio de Janeiro a ter mais rigor no processo de recrutamento e seleção de rodoviários. O diretor de marketing da entidade, João Augusto Monteiro, reconheceu ontem que os números da estatística do Corpo de Bombeiros mostram que os motoristas estão vulneráveis ao estresse diário da profissão somado ao medo de sofrer um assaltos. De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), o assalto a ônibus foi o que mais cresceu nos últimos 12 meses.

- A cada 5 mil viagens, um assalto é cometido. O motorista é um herói: enfrenta o estresse da labuta e o medo de ter uma arma apontada para sua cabeça. Os bombeiros poderiam divulgar mensalmente - sugere.