Título: Choque de gestão na Previdência
Autor: Paulo Lustosa
Fonte: Jornal do Brasil, 20/07/2005, Outras Opiniões, p. A11

A Previdência Social tem sido o nó cego das contas públicas brasileiras. Para explicá-lo, políticos e especialistas alinham diversos fatores, como em colapso do sistema, corrupção, aumento da longevidade da população brasileira e em benefícios sem contrapartida. A recente reforma da Previdência tangenciou essas questões, mas não as resolveu. O que o Sistema requer, acima de tudo, é um choque de gestão. De início, é preciso separar Previdência de Assistência Social. A mistura dessas contas - distintas e igualmente complexas - contribui para o caos gerencial que tem marcado ambos os setores. Embora sem desmembrar o Ministério, é preciso dissociar a gestão e o orçamento de cada qual. É a assistência social e não a previdência o fator deficitário do sistema.

Em dezembro de 2004, o Regime Geral da Previdência Social tinha uma clientela de 23,1 milhões de pessoas. Esse contingente encontrava-se dividido em 16,2 milhões na área urbana e 6,9 milhões na área rural. O resultado financeiro previdenciário estava em déficit de R$ 32 milhões. A característica do déficit é a adoção do conceito de seguridade (previdência + assistência social) como sendo integralmente previdenciário. Não é. Separando-se as contas da Previdência e Assistência Social de 2003, constata-se um superávit previdenciário genuíno da ordem de R$ 15,7 bilhões. Já o segmento assistencial é deficitário em R$ 12,4 bilhões.

Incluindo-se despesas administrativas, o déficit total (denominado operacional) é de R$ 1,4 bilhão. Não obstante, o déficit previdenciário no conceito oficial é de R$ 26,4 bilhões, por misturar conceitos, incluindo despesas de natureza assistencial (não previdenciárias) e receitas da União arrecadadas para objetivos assistenciais.

Para operar o sistema assistencial, a União transfere R$ 40 bilhões e, adicionalmente, utiliza o superávit previdenciário genuíno de R$ 15,7 bilhões. Com isso, o déficit chegou a R$ 25 bilhões que, adicionados à insuficiência de fundos de R$ 1,4 bilhão (financiado com redução do saldo financeiro, isto é, aumento de dívida), totaliza em R$ 26,4 bilhões.

Conclui-se, pois, que o problema da seguridade social não é de natureza previdenciária, mas assistencial. No aspecto estratégico, as preocupações com as reformas previdenciárias voltam-se para a redução do passivo atuarial do setor público. Entendida como despesa pública, tal estratégia equipara-se a qualquer outra que se refira ao corte de gastos. Contudo, o objetivo não tem sido reduzir despesas, mas encontrar fonte de financiamento para os gastos assistenciais - ou seja, não houve qualquer iniciativa de redução das alíquotas do INSS que incidem sobre a folha de pagamento e/ou sobre o faturamento (como estabelece a Constituição).

Assim, adota-se metodologia errada de cálculo do resultado previdenciário, oculta-se o superávit desse segmento e induz-se a uma leitura de passivo atuarial previdenciário inconsistente. Na prática, financiam-se as despesas assistenciais com tributos que incidem sobre a mão-de-obra, o que distorce seriamente os incentivos à formalização. Mantidos os programas assistenciais, o financiamento só pode advir da geração de riqueza - vale dizer, do excedente econômico (lucros, juros, aluguéis etc.).

Para cada uma das dimensões para atuação do Ministério da Previdência e Assistência Social, é necessário posicionamento estratégico específico. Com relação à Previdência, eis algumas medidas iniciais de ampla repercussão e eficácia, que podem ser adotadas, com investimentos relativamente modestos:

Inversão do ônus da prova - consiste em aumentar investimentos nos sistemas de informação e controle das contribuições previdenciárias (bancos de dados) para retirar do cidadão o ônus de provar o direito ao benefício, transferindo-o para o Estado;

Inteligência Previdenciária - ampliar investimentos em sistemas de informações gerencias e de controle de riscos, visando a aumentar a arrecadação e combater desvio de recursos, em articulação com a Receita Federal e o Ministério do Trabalho;

Fortalecimento da Arrecadação - através do esforço de inteligência previdenciária, da valorização da carreira de auditor previdenciário e do aparelhamento das unidades de arrecadação e controle;

Desburocratização dos procedimentos - ênfase às concessões de direitos relacionados a afastamentos permanentes ou temporários, a acidentes de trabalho ou outros motivos de saúde.

No campo da Assistência Social, relaciono as seguintes medidas estratégicas para reversão do quadro atual:

Melhoria do Atendimento - através de investimentos nas Unidades de Atendimento do Ministério e pela aproximação da sociedade civil das atividades e serviços prestados nos vários municípios;

Articulação no âmbito do Estado - buscar aproximação não apenas do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome nas atividades relacionadas ao cumprimento das determinações da LOAS, mas também pelo envolvimento dos Conselhos Estaduais e Municipais de Assistência Social no esforço de melhoria da qualidade do atendimento da Previdência nos municípios brasileiros;

Aproximação da Sociedade Civil Organizada - Não apenas por intermédio dos Conselhos Estaduais e Municipais de Assistência Social, mas também pela abertura de novos canais com os vários segmentos organizados da sociedade, como movimentos sociais, sindicais e organizações não-governamentais.

Essas medidas, tanto na Previdência como na Assistência Social, embora preliminares, já configuram considerável choque de gestão. Sobretudo criam novo ambiente psicossocial para o aprofundamento das reformas estruturais indispensáveis. Sem que a sociedade compreenda o que se passa, e sem que adira, as resistências políticas às reformas tendem a se consolidar.

*Paulo Lustosa é secretário-executivo do Ministério das Comunicações