Título: Mães de Acari cobram justiça
Autor: Waleska Borges
Fonte: Jornal do Brasil, 27/07/2005, Rio, p. A15

Abraçadas às fotos de seus filhos desaparecidos, ato que vem sendo repetido ao longo dos últimos anos, as Mães de Acari se uniram ontem para rezar numa cerimônia, na Igreja São José, no Centro. O ato religioso marcou os 15 anos de uma história de luta contra a impunidade. Amparadas por amigos e parentes de vítimas da violência policial, elas rezaram pela memória dos 11 jovens, a maioria da Favela de Acari, que desapareceram de um sítio em Magé, na Baixada Fluminense. Conforme o JB noticiou no domingo, mais de uma década depois, os policias supostos executores dos jovens não foram punidos. Depois de uma noite de insônia por causa das lembranças da filha Cristiane Leite Souza, que sumiu aos 16 anos, Vera Lúcia Flores, 56 anos, chegou cedo à igreja.

- O que me revolta é o desinteresse das autoridades para solucionar o caso - desabafou Vera.

Os oito rapazes, dois deles ladrões de carga, e três moças desaparecidos fugiram para Magé depois de uma extorsão de policiais do 9º BPM (Rocha Miranda), conhecidos por Cavalos Corredores por causa do barulho que faziam ao entrar na favela.

Na cerimônia religiosa, mães de outras chacinas como de Vigário Geral, quando 21 pessoas foram assassinadas, cobraram do Estado agilidade nas punições dos maus policiais. Por falta de provas e testemunhas, o inquérito de Acari se arrasta na Delegacia de Homicídios, no Centro.

- É um inquérito de difícil solução porque não temos a materialidade do crime - justificou o delegado Carlos Henrique Machado.

Mãe de Rafael e Renan Medina Paulino, 19 e 13 anos, seqüestrados no estacionamento da casa de espetáculos Via Show, em dezembro de 2003, Elizabethe, 42, contou que os filhos, um primo dos dois e um amigo foram encontrados mortos com tiros de fuzil, em Imbariê. PMs que faziam a segurança da casa são acusados de envolvimento com o crime.

- Fiquei três dias sem achar os corpos de meus filhos e quase enlouqueci. Imagino a dor destas mães que procuram pelos corpos há 15 anos - disse Elizabethe.

Presente na missa, o desembargador Siro Darlan lembrou que o desaparecimento dos jovens coincide com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

- Estas mães órfãs fazem parte do retrato da exclusão social do Brasil. A maioria das vítimas é de jovens pobres, negros e favelados que quando não são colocados nas cadeias acabam mortos - lamentou o desembargador.

Marilene de Souza Santos, 53 anos, mãe de Rosana de Souza Santos, desaparecida aos 18 anos, era uma das quatro pessoas que representavam os 11 jovens de Acari. Por medo de represálias, as Mães de Acari preferem se calar. Em 1993, Edméia Euzébio, líder do grupo, foi assassinada porque teria desvendado o crime.

- As autoridades têm que parar de justificar as mortes e a polícia investigar mais - emocionou-se Marilene.

O desaparecimento dos jovens de Acari e outros casos considerados emblemáticos no Rio serão divulgados, em agosto, num dossiê elaborado por representantes de instituições, ONGs e especialistas em Segurança Pública.

- Nem 10% dos homicídios do estado são solucionados. Já o índice de pessoas mortas em confronto com a polícia aumentou 298% nos últimos oito anos até 2003 - comentou o advogado Osias Inocêncio, que participa da elaboração do dossiê.