Título: ''Lula não é um bom presidente''
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 28/07/2005, País, p. A7

O senador Saturnino Braga, do PT do Rio, não pode ser chamado de radical inconseqüente, nem tem se apresentado, durante o transcorrer do mandato do presidente Lula, como um crítico feroz do governo, apesar de discordar da condução da política econômica. A turbulência crescente provocada pelas denúncias sobre o aparato viciado montado pelo grupo dirigente do partido conseguiu provocar quase uma revolução na conduta e nas falas do representante fluminense. Indignado, já havia se rebelado quando o deputado Roberto Jefferson, posteriormente apoiado por Lula e mais recentemente por algumas vozes do PSDB disse que o caixa dois se transformou numa instituição nacional, sem exceções. ¿É tudo igual uma ova¿, revoltou-se Saturnino, num prenúncio do que viria depois. Ontem, soltou o verbo. Disse que Lula mostrou não ter condições para ser um bom presidente e que seria melhor ele não se candidatar à reeleição. Mesmo porque o eleitorado muito pobre que ainda lhe garante bons índices levará mais algum tempo para tomar ciência do atoleiro em que o governo se meteu, mas já estará consciente na época da batalha nas urnas. Na avaliação do senador, Lula está longe de mostrar uma conduta convincente na crise, não muito diferente do que tem ocorrido em todo o seu governo: ¿ Um braço do poder foi entregue a Dirceu. O outro a Palocci. Deu no que deu. O que aconteceu com o PT?

¿ Fragmentado em muitas tendências, o partido nunca teve uma clara definição ideológica. A convergência estava no fato de se intitular um partido de trabalhadores e também se manifestava na figura de um líder operário, Lula, e na bandeira da ética na política.

O que está sendo o PT no governo?

No campo político, o PT estraçalhou a bandeira da ética, tão cara aos seus militantes. No campo econômico resolveu adotar o projeto dos banqueiros.

Como o partido pode sair do atoleiro?

¿ Precisa refazer integralmente a sua direção, retirando todas as pessoas que participaram dessas vergonhosas trapalhadas.

Tarso Genro é um bom nome para essa reconstrução? ¿ É um bom exemplo de um quadro respeitável que pode ser muito útil ao partido.

E como fica Lula nesse processo?

¿ Muito machucado. Ele tem se mostrado um presidente inseguro. Na economia entregou-se ao Antonio Palocci, que não apresentava credenciais para lidar com os complexos problemas econômicos que afetam o país. Palocci, por sua vez, entregou-se ao mercado.

E como o presidente está se comportando durante a crise?

¿ Da mesma forma insegura. Não teve forças para conter a voracidade do braço político comandado por José Dirceu, assim como não conseguiu controlar o Palocci. Ele é um grande líder sindical mas não é um bom presidente.

Então, ele não deveria tentar a reeleição?

¿ Não. O PT deve tentar um outro nome.

Qual seria?

-Prefiro não falar em nomes, Mas o partido tem bons quadros. A escolha de Tarso Genro para dirigir provisoriamente a legenda, em meio à crise, é um bom exemplo.

Lula certamente se fia nos bons índices de popularidade que ainda mantém para sonhar com a reeleição....

¿ É verdade que ele vem apelando, nas falas mais recentes, para os segmentos mais pobres do eleitorado. Confia em programas assistencialistas para continuar cativando este eleitorado. Os eleitores mais carentes, tradicionalmente levam mais tempo para absorver e compreender determinadas situações de crise. Mas, certamente, na época da campanha da reeleição, esse possível efeito eleitoral das políticas compensatórias já estará enfraquecido

O senhor tem sentido uma decepção grande da militância nas ruas?

¿ Muito grande. Mas tenho estimulado os militantes a lutar por mudanças estruturais na legenda para que voltemos a ter esperança.

E o senhor, como se sente?

Me sinto traído, assim como muitos companheiros. Sou um anjo bobão nessa história toda. Todo esse processo foi conduzido de forma muito fechada. Conversava com companheiros da bancada do partido no Senado e nunca era mencionado esse mensalão. Nós fomos tratados como idiotas

O recuo em relação a projetos econômicos e sociais quando partidos de esquerda ou centro-esquerda chegam ao poder não é uma novidade do PT...

¿ É verdade. Este é um problema freqüente na Europa, por exemplo. Uma coisa é a esquerda na oposição, puxando e cobrando avanços sociais. A situação se complica quando a esquerda se vê obrigada a enfrentar a realidade do mercado. Não dá para bater de frente nem estou propondo nenhuma ruptura. O que condeno é essa entrega total promovida pelo Palocci. Teríamos que exercitar um jo go dialético de avanços e recuos dosados. Poderíamos, por exemplo, tentar reduzir gradativamente o superávit e a tada de juros.

¿ E os programas sociais?

¿ Nada de mais arrojado, tendendo para o assistencialismo. O Fundef é uma boa idéia para reforçar o sistema educacional, mas, com problemas de gestão parece que ficou entalado. Isso sem falar nos desvios cometidos pelos prefeitos.

¿ Qual a sua posição na sucessão estadual?

¿ Apoio Vladimir Palmeira. A sua proposta é compatível com esse PT que precisamos reconstruir.

¿ O senhor é candidato à reeleição no Senado?

¿ Serei candidato se o PT partir para essa transformação que todos almejamos. Não pretendo sair do partido para ser candidato por outra agremiação. No Rio, temos uma situação complicada, com um comando ainda ligado aos vícios que queremos extirpar.

Falam que há setores querendo esvaziar sua candidatura...

¿ Podem, de fato estar querendo esvaziar a minha candidatura. A Benedita da Silva também é candidata. Considero, no entanto, que a minha candidatura só valerá a pena num contexto de mudança da estrutura e da direção do partido, para que possamos retomar a bandeira da ética, dos avanços sociais e de mudanças na economia.