Título: Ministro ameaça quebra de patente
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Fonte: Jornal do Brasil, 28/07/2005, Internacional, p. A12

O ministro da Saúde, Saraiva Felipe, ameaçou ontem quebrar patentes de medicamentos contra a Aids caso o gasto do governo com a com pra desses produtos não seja reduzido. Um desses remédios seria o Kaletra, fabricado pel Abbot no Brasil - o ministro quer redução de US$ 1,17 para US$ 0,49 (mais de 50%), próximo do custo unitário estimado caso o governo passe a produzi-lo. Segundo Saraiva Felipe, o Brasil está hoje em fase de ''difícil'' negociação.

- A única patente que não é violável é o direito à preservação da vida. Se o programa de assistência universal neste país for ameaçado por insuficiência de recursos, não hesitaremos em fazer o licenciamento compulsório. É óbvio que há um espaço para negociação, mas teremos que chegar a um acordo com os laboratórios privados para pagar o que consideramos justo. Dentro desse critério de justiça, será levada em conta nossa capacidade de despender recursos fincanceiros para distribuir remédios a todos os pacientes portadores de HIV no Brasil - afirmou o ministro, no último dia da 3ª Conferência da Sociedade Internacional de Aids sobre Patogênese e Tratamento de HIV/Aids, no Rio de Janeiro.

Os gastos do ministério com anti-retrovirais este ano foram de mais de R$ 1 bilhão, contra R$ 600 milhões, em 2004. Se a cifra continuar aumentando, segundo o ministro da Saúde, o acesso ao tratamento pode ficar comprometido. Também poderia acabar consumindo verbas previstas para o tratamento de outras doenças que atingem milhões de brasileiros.

- De um orçamento total para medicamentos da ordem de R$ 3,4 bilhões, já estamos comprometendo mais de R$ 1 bilhão. É algo muito significativo. Poderemos chegar a um momento em que todos os recursos estarão comprometidos com o tratamento da Aids e faltará remédio para hipertensão, diabetes ou para evitar a rejeição de órgãos transplantados, por exemplo.

Os gastos do governo federal têm aumentado porque nove dos 17 remédios contra a Aids são importados e, mesmo no caso dos oito produzidos no Brasil, boa parte da matéria-prima vem de outros países. Além disso, com o lançamento de novas drogas, é preciso sempre atualizar a lista de remédios do programa de distribuição para pacientes com HIV.

O licenciamento compulsório é uma maneira de reduzir os custos com importação porque permite, sem necessidade de acordo com o laboratório privado, que o governo produza um medicamento até então exclusivo de uma empresa do setor.

- Uma parcela de 63% do gasto com antiretrovirais é destinado a apenas três drogas. Essa é uma situação insuportável para qualquer sistema de saúde - disse o ministro.

Os medicamentos que o Ministério da Saúde quer ver mais baratos são, além do Kaletra, o Tenofovir e Efavirenz. No caso específico do Kaletra, há, ainda, a possibilidade de comprá-lo de outros países, que estão colocando no mercado os produtos que compõem o remédio, como a Índia.

- Estou há 10 dias no Ministério e estou tentando agilizar para que isso não vire mais uma novela - disse o ministro.

A decisão unilateral ameaçada pelo ministro não é unanimidade entre os pesquisadores brasileiros. Para Mauro Schechter, diretor do programa de Aids do laboratório de pesquisas do hospital universitário da UFRJ, a quebra da patente do Kaletra pode ser muito prejudicial ao país.

- Para todo problema complexo, há uma solução simples e errada. A partir do ano que vem, por exemplo, a forma do Kaletra atual sairá do mercado, e o Brasil gastará dinheiro para produzir um remédio antigo - diz.

Saraiva Felipe esteve ontem na 3ª Conferência da Sociedade Internacional de Aids sobre Patogênese e Tratamento para assinar um memorando que formaliza a criação do primeiro Centro Internacional de Cooperação Técnica em HIV/Aids do mundo. O centro vai promover a troca de recursos técnicos e de experiências entre países em desenvolvimento. Já funciona em Brasília e prevê um investimento de US$ 1 bilhão, divididos pela metade entre o Brasil e o Programa das Nações Unidas para HIV/Aids (Unaids).

O chefe da Unaids, agência da ONU para o combate à doença, Peter Piot, também participou da cerimônia.