Título: Carências ofuscam o escândalo
Autor: Paulo Celso Pereira
Fonte: Jornal do Brasil, 24/07/2005, País, p. A3

Na quadra de uma escola pública do bairro de Austin, em Nova Iguaçu, o prefeito escolhido para representar o PT na Baixada, Lindberg Farias, fazia um encontro com uma centena de pessoas para discutir os problemas da região. Apesar de ter sido eleito pelo partido que capitalizou a maior crise dos últimos anos, no grupo não houve que falasse em mensalão, Roberto Jefferson ou CPI dos Correios. Os problemas de falta de saneamento, saúde e violência eram os temas que importavam àquela população carente e sem assistência do estado. A cena se repete pelas comunidades carentes do país. E é justamente nessa classe que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se apóia para manter a aceitação em alta. Desde que começaram as denúncias de corrupção no governo, o presidente tenta atribuir às `elites¿ uma conspiração contra o `povo¿. Em visita ao Rio, na sexta-feira, Lula reafirmou essa posição alegando que não seria ¿a elite brasileira que¿ o faria ¿baixar a cabeça¿. Ao menos nas regiões carentes, com o auxílio da falta de informação, dos problemas sociais e do discurso contra a `elite¿, Lula consegue preservar sua imagem.

Em São João de Meriti, quase todos os moradores já ouviram falar nas denúncias de mensalão, mas, ao menos na região central da cidade, o sentimento é favorável ao presidente. Alcebíades Cruz, aposentado de 67 anos, conhece bem a política. Começou a trabalhar com políticos aos 15 anos e até os 50 sempre esteve envolvido. Desde que se aposentou, desistiu até de votar. ¿Por causa da decepção¿, explica.

¿ Essa história de corrupção é antiga, sempre ocorreu. Ainda assim, estou preocupado com a política nacional, mas tenho poucas pessoas para conversar aqui no bairro. A juventude não se interessa mais por política, só fala de futebol, baile funk e rock ¿ lamenta.

A aceitação de que Lula não está envolvido nas denúncias de corrupção ainda domina grande parte da população de baixa renda. Como mostrou a última pesquisa Ibope ¿ feita pouco depois de serem reveladas as denúncias do mensalão e de fraudes nos Correios ¿ a popularidade de Lula cai mais rapidamente entre a população instruída e de alto poder aquisitivo.

¿ Nossa preocupação não é com o partido. O que queremos é obra aqui para o bairro. Porque a corrupção vem desde o Descobrimento do Brasil. Falam do PT, mas e o que o Fernando Henrique fez? ¿ critica Raimundo Sabino Ribeiro, de 69 anos, presidente da Associação de Moradores de Parque Santo Antônio, em Nova Iguaçu .

A falta de informação combinada ao aumento da violência e ao grande desemprego, faz com que parte da população não encontre mais alternativas. Nesse vácuo, cresce a importância da religião.

A dona-de-casa Zulmira Braga Lira, de 66 anos, freqüenta diariamente a igreja. Diante de tantos problemas em São João de Meriti, onde mora há 40 anos, Zulmira busca um alento na religião e confessa não estar conseguindo entender muito bem a quantidade de denúncias que está surgindo.

¿ Tá muito confuso e difícil de entender. Votei no Lula, mas estamos mais preocupados com a violência do que com essa corrupção. Tem tanta gente morrendo aqui, que as mães tem medo até dos filhos irem trabalhar.

O crescente número de envolvidos nas apurações da CPI dos Correios contribui para tornar onipresente a frase de que ¿Todo político é corrupto¿. O aposentado Nélio Rosa de Sá, de 54 anos, confirma a regra. Morador de Austin, ele foi à reunião com o prefeito Lindberg na esperança de encontrar ali um político que ¿tenha o nome a zelar¿. A esperança em Lindberg pode ser atribuída à primeira vez que alguma prefeito ia ao bairro para discutir os problemas sociais fora do período eleitoral. Exceto o novo prefeito, Nélio não salva ninguém.

¿ Lamentável acontecer esses casos de corrupção. Eles tiram dinheiro do trabalhador e pegam para si. Mandam dinheiro para o exterior e nós ficamos aqui com esgoto correndo a céu aberto. Na rua onde moro, nem coleta de lixo tem. Só vim aqui porque em todo saco, tem alguma coisa que escapa ¿ explica.

Nem o incessante trabalho da CPI dos Correios tem motivado a população. Denise Santos, de 35 anos, trabalha num bar em frente à uma praça do centro de São João de Meriti. Ressabiada, prefere dizer que ¿não acha nada¿ sobre as denúncias de corrupção. Ela tem dúvida sobre a participação do presidente e não vê futuro nas investigações do Congresso.

¿ As coisas acontecem e eles não fazem nada. Resta aguardar para ver se tem um fim essa corrupção, mas acho que não vai ter não. Nada se resolve, por isso prefiro me preocupar com meu dia-a-dia ¿ protesta.

A doceira Márcia Almeida, aos 34 anos já não quer mais acompanhar a vida política, está cansada. Seu pai sempre foi militante do PT, e diz que cresceu vendo a paixão do pai pelo PT, agora, o pai está decepcionado, e ela desistiu dos políticos.

¿ Eu só sei que mensalão é uma roubalheira aí...Eu votei no PT iludida pelo meu pai. Até ele está arrependido. Eu não acompanho a história do mensalão porque eu saio de casa cedo, chego em casa tarde e não vejo nem meu filho. Eu não tenho tempo para nada.