Título: A profunda crise no PT e no governo Lula
Autor: Eduardo M. Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 24/07/2005, Outras Opiniões, p. A11

Por toda parte onde ando as pessoas estão tristes e preocupadas com o que está acontecendo. Como pode ter sido possível que o nosso governo do PT, do presidente Lula, estivesse agora envolvido em tantos casos de desvios de recursos públicos e de práticas de favorecimentos ilegais? Como pode o PT, que tanto lutou por ética na política e na administração pública, ter permitido um relacionamento entre o Executivo e o Legislativo caracterizado pelas práticas que estão agora sendo investigadas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) sobre os Correios e o chamado mensalão? Como justificar a existência de dezenas de pagamentos irregulares a pessoas relacionadas aos interesses de empresas que detinham contratos realizados com estatais? Como aceitar empréstimos para o PT e para o diretor-tesoureiro, que assumiu tomá-los até mesmo em caráter pessoal, de forma não contabilizada, para fins de pagar contas de campanha sem a devida transparência? Como aceitar que dirigentes do PT, que sempre pregou a transparência da administração pública e de interesse público, pudessem comparecer à CPI e não responder às perguntas formuladas por parlamentares de vários partidos, inclusive do PT? Como aceitar que nosso presidente tenha resolvido dar uma entrevista para o canal França 2, em Paris, falando sobre a crise política brasileira, simplesmente reconhecendo que o PT estava fazendo o que outros partidos sempre fizeram, quando pregamos ao longo de nossos 25 anos que era a nossa intenção mudar em profundidade todos os procedimentos que antes tanto criticávamos? Como o presidente afirmou que só falaria à imprensa sobre os problemas brasileiros quando estivesse no Brasil, mas acabou falando a respeito para a televisão francesa - o que foi reproduzido pelo Fantástico, da Rede Globo - será importante que em breve possa dar uma entrevista coletiva à imprensa no Brasil nos moldes mais adequados, com a liberdade de os jornalistas daqui formularem as suas perguntas sobre os temas que considerarem relevantes.

Diante desse quadro, são muitas as pessoas que me perguntam, através do correio eletrônico, cartas ou pessoalmente, se vou permanecer no PT. Por que não ir para o Psol, para o Partido Verde, para o PSB, ou até mesmo criar um novo partido? Mas quando pertencemos a uma organização, composta de seres humanos, é claro que somos todos sujeitos a cometer erros, algumas vezes graves, outros menores. O importante, quando eles ocorrem, é saber a melhor forma de corrigi-los.

Na fundação do PT, em 1980, fiquei honrado ao ser convidado por um grupo de pessoas que queriam construir um novo Brasil caracterizado pela liberdade, democracia, justiça e igualdade de direitos à cidadania para todos, sobretudo para aqueles que, por séculos, foram alijados do acesso à educação, alimentação, atendimento à saúde, moradia, cultura e lazer, entre outros direitos. Até hoje considerei que esta foi uma decisão de vida. Mesmo diante dos casos que vieram à tona, sinto-me na responsabilidade de fazer de tudo para corrigir os erros e recomendar aos meus companheiros, sobretudo os que estão na direção do PT ou no governo, a começar pelo presidente Lula, que faça tudo para caminhar na direção que nos fizeram abraçar as causas do PT com tanta esperança e ardor.

Considerei digna a postura de Sílvio Pereira, ex-secretário geral do PT, de se desfiliar do partido na última sexta-feira, reconhecendo o erro por receber de presente um caro automóvel dado pelo diretor da empresa GDK, que por sua vez foi contratante da Petrobras. Conheço o Silvinho desde os nossos primeiros anos de PT, sei da sua dedicação aos ideais do PT. Ele participou como um dos dirigentes e coordenadores de campanhas das quais participei como candidato a deputado federal, prefeito, governador, vereador e senador. Ao seu lado, em reuniões com potenciais colaboradores expusemos, sobretudo nas campanhas majoritárias, que se alguém quisesse fazer qualquer doação, fosse sempre na expectativa de que, em qualquer posição de responsabilidade pública que eu assumisse, seriam observados os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência na administração pública.

Percebi o quanto foi difícil para Silvio Pereira reconhecer que tinha recebido aquele automóvel de presente perante a CPI. Teria sido bom que expusesse o fato naquele momento. Acontece que simultaneamente o Jornal Nacional, da Globo, mostrava como é que a doação havia sido feita. Agora os fatos estão mais transparentes. Silvio também tomou a decisão correta de devolver o carro.

É importante que todos os que erraram assumam seus atos e contribuam para o total desvendar dos episódios. Lembro mais uma vez da recomendação do professor Amartya Sen, ao recordar os ensinamentos de Hui-nan Tzu na China de 122 aC.:

''Se a linha medidora estiver certa, a madeira será certa, não porque se faz algum esforço especial, mas porque aquilo que a 'dirige' faz com que assim seja. Da mesma maneira, se o dirigente for sincero e íntegro, funcionários honestos servirão em seu governo, e os velhacos se esconderão; mas se o dirigente não for íntegro, os perversos farão como querem, e os homens leais se afastarão''.