Título: 'Alguém mais pode ser morto'
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Fonte: Jornal do Brasil, 27/04/2005, Internacional, p. A7

Em vez da mea culpa, autoridades inglesas saíram em defesa ontem dos responsáveis pela ação desastrada que levou à morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, de 27 anos, baleado por engano pela polícia britânica por suspeita de terrorismo, na sexta-feira, no metrô de Londres. Depois de admitir que a ação foi um ''erro trágico'', a Scotland Yard reafirmou ontem sua estratégia de ''atirar para matar'' na abordagem de ameaças terroristas.

- Os policiais têm que ser assim (atirar na cabeça do suspeito) porque não faz sentido atirar no peito de alguém, se é lá que provavelmente a bomba está - disse o chefe da polícia de Londres, Ian Blair.

Em entrevista à Sky Television, Blair disse ainda que ''alguém mais pode ser morto'' nas diligências, mas que todas as providências estão sendo tomadas para que ''as coisas sejam bem feitas''.

- Estamos muito certos de que esta política está correta, mas é claro que são tempos muito difíceis - acrescentou, pedindo desculpas à família do brasileiro pelo incidente.

O ministro da Justiça britânico, Charles Clarke, por sua vez, afirmou, em entrevista à BBC, ''só ter elogios e admiração'' pela maneira como a polícia britânica tem agido.

- Foi uma tragédia para Menezes e sua família e eu lamento profundamente o ocorrido - afirmou Clarke - Mas creio que a polícia está fazendo o melhor, sob as mais impressionantes condições, para fazer julgamentos difíceis e nos proteger. Por isso, eu os parabenizo.

Logo que chegou a Londres ontem, o ministro das Relações Exteriores brasileiro, Celso Amorim, se reuniu com David Triesman, representante do Ministério das Relações Exteriores da Grã-Bretanha, para discutir o incidente.

- Vim a Londres expressar a perplexidade do governo e povo brasileiros pela sua morte. Está claro que Menezes era um cidadão pacífico e inocente. Na luta contra o terrorismo, temos de ter cuidado para evitar a perda de vidas inocentes. A garantia que me deram é de que haverá uma investigação plena - disse Amorim, logo após o encontro.

Mineiro da cidade de Gonzaga, Jean Charles trabalhava como eletricista em Londres. Ele foi morto com cinco tiros por policiais à paisana na estação de Stockwell, que suspeitaram que seu casaco espesso contivesse explosivos. Eles estavam buscando suspeitos dos atentados do último dia 7 de julho.

Sua morte está sendo investigada pelo Directorate of Professional Standards da Scotland Yard, o equivalente a uma corregedoria. A investigação também será levada à Comissão Independente de Reclamações da polícia. Hoje, Amorim deve se reunir com o ministro das Relações Exteriores britânico, Jack Straw, que adiou as férias por causa dos recentes acontecimentos. Straw evitou comentar as circunstâncias do episódio, mas também enfatizou o fato de a polícia estar trabalhando sob pressão.

- Não vou comentar em detalhes o que ocorreu na estação de metrô, mas tenho a dizer que os policiais envolvidos, homens muito corajosos que estão agindo em nome dos cidadãos londrinos, estavam perseguindo um homem que deu a eles fortes motivos para acreditar que estava envolvido em terrorismo - disse ele, em entrevista à BBC.

Jack Straw e Celso Amorim fizeram um breve contato telefônico ontem, no qual, de acordo com o ministro brasileiro, não houve nenhuma discussão sobre uma possível indenização à família de Jean Charles.

- Acho que as investigações têm que preceder a qualquer ação deste gênero. Mas acho que a admissão do erro já deve implicar em alguma consequência como essa - disse o ministro Amorim.

O governo britânico também não deu nenhum prazo para a conclusão das apurações e nem informou quando o corpo de Jean Charles será liberado.

Ontem à noite, a polícia inglesa prendeu um terceiro homem relacionado às tentativas de ataques ao sistema de transportes de Londres. O homem foi preso no sul de Londres sob a legislação anti-terrorismo, de acordo com um porta-voz da polícia. Os outros dois suspeitos presos nos últimos dias continuam detidos. Não há informações de que eles sejam os quatro suspeitos cujas fotos foram divulgadas pela Scotland Yard.