Título: Liturgia jurídica atrasa processo de investigação
Autor: Luiz Orlando Carneiro
Fonte: Jornal do Brasil, 23/07/2005, País, p. A4
O presidente da CPI dos Correios, Delcidio Amaral (PT-MS), e o relator, Osmar Serraglio (PMDB-PR), não conseguiram do presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, a promessa de que vai liberar, imediatamente, os documentos apreendidos em Belo Horizonte e que fazem parte do inquérito no qual Marcos Valério é investigado como o principal operador do mensalão. Os documentos teriam uma lista de 120 pessoas que sacaram recursos das contas de Marcos Valério.
Jobim afirmou que vai depender da análise do parecer do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza. O parecer e os documentos foram devolvidos ontem a Jobim, para reautuação, pelo chefe do Ministério Público. Antonio Fernando de Souza acha ser o STF o foro para a tramitação do inquérito. Como constava do ofício do juiz federal da 4ª Vara de Minas Gerais, Jorge de Macedo Costa, constatou-se, ''em razão das provas produzidas'', a possível participação de congressistas no esquema do mensalão.
O presidente da CPI - depois do encontro com Jobim - afirmou que o acesso à documentação apreendida pela Polícia Federal em Minas é ''fundamental'' para o cotejo com ''o tsunami de documentos e extratos bancários'' que estão sendo avaliados, com o auxílio da PF, do Tribunal de Contas da União, do Banco Central, do Banco do Brasil e da Receita.
- Não se pode dizer se há mesmo um mensalão. O que observamos são vários saques sem periodicidade definida - comentou o presidente da CPI.
Delcidio afirmou não ''temer'' que o presidente Lula venha a perder o mandato, ao fim das investigações da CPI dos Correios:
- Não tenho dúvida de que o presidente Lula é um homem de bem.
Sobre a notícia de que o arquiteto Roberto Pinho, que foi marqueteiro de sua campanha ao Senado, em 2002, e que sacou R$ 350 mil da conta da empresa SMPB, de Marcos Valério, no período entre 22 de setembro e 17 de dezembro de 2003, Delcidio explicou:
- Ele trabalhou exatos 45 dias na minha campanha, como coordenador de marketing, em 2002. Foi substituído por Pérsio Andrade, vereador no meu Estado, porque tivemos um desentendimento por questões de métodos. Roberto veio trabalhar no governo Lula, com o ministro Gilberto Gil, do qual é compadre. Não acho que o envolvimento dele com a empresa de Valério prejudique meu trabalho na CPI.
O senador disse ter ficado ''muito surpreendido'' com o fato de Pinho ter sacado tanto dinheiro.
- Não sei o que o levou a fazer isso. Era um arquiteto e urbanista respeitado, trabalhou na Prefeitura de Salvador. Era amigo do Gil, com quem - naquela época do ''flower power'' - tentou fazer a experiência de um kibutz aqui perto de Brasília. Daí que nasceu aquela canção do Gil, ''Refazenda''. O Pinho é o ''abacateiro'' que aparece na letra da canção.
Osmar Serraglio informou que - tendo em vista existirem 44 requerimentos de depoimentos já aprovados - a idéia da Comissão é ''hierarquizá-los''. Algumas pessoas consideradas mais relevantes para a investigação seriam ouvidas pelo plenário, outras por mini-comissões ou por parlamentares que tenham determinadas dúvidas que não sejam de interesse da CPI como um todo.
O presidente e o relator demonstraram também a Jobim a ''preocupação'' de alguns parlamentares quanto às liminares concedidas a depoentes convocados para serem ouvidos na condição de investigados e não de testemunhas - o que lhes dá o ''direito ao silêncio'', até que sejam interrogados como acusados no decorrer do inquérito criminal.
O ministro Jobim explicou que se trata de direito constitucional. Mas, de acordo com Delcídio, o ministro ficou de ''examinar caso a caso''.
Osmar Serraglio criticou os que pensam ser possível evitar a concessão de habeas corpus preventivos nesses casos, achando um absurdo jurídico.