Título: PF roda com 300 carros irregulares
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 27/10/2004, País, p. A5

Detrans estaduais não licenciam veículos apreendidos em operações policiais. Alguns têm dívidas em nome de bandidos

Mais de 300 dos melhores carros da Polícia Federal estão em nome de pessoas que não existem - os ''fantasmas'' - ou de outras que emprestaram seus nomes para o crime organizado - os ''laranjas'' - e até de traficantes. São veículos cherokees, blazers e pajeros, entre outros, que tem o uso autorizado, provisoriamente, pela Justiça, para as operações da PF. Só que a corporação não consegue regularizar as pendências e obter licenciamento junto aos Detrans. Este é o exemplo do caos que envolve os bens apreendidos dos criminosos no país. Na lista há veículos de pessoas ligadas às quadrilhas dos traficantes Leonardo Dias Mendonça e Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. Os Detrans citam multas anteriores, IPVA atrasado e seguro obrigatório para não conceder o licenciamento de veículo. São dívidas em nome dos bandidos.

Na revisão que o Ministério da Justiça está fazendo na Lei de Lavagem de Dinheiro - a ser enviada em dezembro ao Congresso - está prevista a criação de cadastro nacional de bens apreendidos do crime organizado para tentar resolver o problema.

O chefe da Divisão de Combate ao Crime Organizado da PF, Getúlio Bezerra, revelou ontem - durante o Encontro Nacional sobre o Combate e a Prevenção à Lavagem de Dinheiro - que os carros em nome de laranjas e fantasmas já deram dores de cabeça aos policiais durante as ações policiais.

- Há casos em que o agente tem de mostrar a papelada provisória do juiz para o Detran e isso retarda a operação - confirmou Getúlio.

Os Detrans não consideram a autorização provisória do juiz como documento legal para o veículo trafegar. Em Belo Horizonte (MG), segundo fontes da PF, os federais tiveram de ir ao Detran buscar carros apreendidos. A PF tem um total de 462 bens apreendidos e autorizados para uso pelo Judiciário, mas ainda irregulares.

A dor de cabeça da PF não está restrita às doações dos bens do tráfico. Recentemente, a Justiça na Região Norte decretou a indisponibilidade de 364 mil libras esterlinas, o correspondente a R$ 1,9 milhão. Mas não foi possível trocar o dinheiro porque não havia banco com liquidez na região. Um banco queria US$ 10 mil (R$ 28,8 mil) para a conversão.

Para Getúlio Bezerra, o país não tem ''visão capitalista'' para combater o crime organizado e os bens estragam nos pátios das delegacias. A repressão ao crime organizado, na avaliação de Getúlio, poderia ser auto-sustentável, se o processo fosse ágil.

O diretor do Departamento de Recuperação de Ativos do Ministério da Justiça, Antenor Pereira Madruga Filho, diz que o sistema de apreensão, administração e recuperação de bens no Brasil é caótico. Para comprovar o caos, diz Madruga, basta olhar os carros apodrecendo nos pátios das delegacias e os aviões estragando nos hangares dos aeroportos.

- Os piores administradores de bens complexos são os servidores públicos - afirma.

A alienação de bens do tráfico é feita ''vara a vara'', ''juízo a juízo'', diz Madruga. A legislação que está sendo preparada obriga o Estado a registrar o bem confiscado como condição para recebê-lo. As apreensões são repassadas para as polícias dos Estados onde foi feita a indisponibilidade. Hoje, os bens são destinados à União.

O governo federal vai colocar em consulta pública a revisão da Lei de Lavagem de Dinheiro. Além do cadastro e do bloqueio provisória de contas bancárias - que poderá ser feito pelo gerente do banco - o governo vai acabar com os crimes antecedentes para efeito de lavagem. Hoje, o roubo a banco, por exemplo, não antecede crime de lavagem e o bandido é indiciado por receptação.