Título: Todas as imagens do presidente
Autor: Penha Rocha
Fonte: Jornal do Brasil, 23/07/2005, Caderno B, p. B1

Zelito Vianna, que usou R$ 4 milhões para, emblematicamente, contar 24 horas da ''vida de um presidente'', contrapõe Silvio Tendler dizendo que em seu filme (''um romance despretensioso e alegre'') não há despolitização: - O que despolitiza a política são as malas que têm sido encontradas em aviões pelo país.

Embora admiradora confessa de Tendler, Maria Adelaide Amaral também discorda do cineasta e reitera que a TV, com sua estratégia de apresentar personagens históricos de forma emocional, abre a porta para que o telespectador conheça o personagem real:

- A televisão desperta no público, principalmente nos jovens, a curiosidade, levando-os ao livro e ao cinema.

Além de cineasta, Oswaldo Caldeira é professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, onde defendeu tese de doutorado sobre a construção de personagens históricos na arte. A tese o conduziu a seu último longa-metragem, Tiradentes, lançado em 1998. Caldeira não vê o mito como uma mentira. Segundo ele, não se cria um mito, um herói, uma lenda, do nada, como é voz corrente.

- Para que surja o herói, para que ele se amolde, é preciso que uma determinada personalidade reúna certas condições. E JK reúne tais condições. Não se fabrica um mito, uma lenda, com um golpe publicitário.

De fato, a biografia de JK oferece elementos propícios à mitificação. Amante da dança, o que lhe rendeu o apelido de ''pé-de-valsa'', sedutor com as mulheres e dono de um discurso envolvente, ele nasceu em Diamantina, Minas Gerais, filho de imigrantes tchecos. Foi médico da Polícia Militar, prefeito de Belo Horizonte e governador de Minas, antes de chegar à Presidência do Brasil com idéias modernizadoras e ousadas para a época.

- Todas as homenagens que nós brasileiros fizermos a este homem, a este mito, serão poucas. Afinal, foi JK quem inseriu o Brasil na modernidade e Brasília é o símbolo disso - diz o historiador Ronaldo Costa Couto, que trabalha como consultor da equipe da minissérie de Maria Adelaide Amaral e é autor de Brasília Kubitschek de Oliveira, uma das obras definitivas sobre o presidente, que completa 30 anos de morte no ano que vem.

De fato, o jogo entre o personagem político e o real é difícil e sutil. Por isso a produtora e diretora Zulmira Baptista promete ampliar os horizontes de ambos os lados da questão com a montagem de Nonô de Minas Gerais. Filha de Geraldo Motta Baptista, prefeito de Uberlândia quando Juscelino foi governador de Minas, a também autora leva as memórias de sua infância para a peça. No palco, histórias reais se juntam a documentos e fotografias que cruzam a história do presidente com a família dela, que é afilhada de Sarah Kubitschek, então primeira-dama.

- Quando eu acordava de manhã, nos fins de semana, Juscelino já estava de pé na porta da cozinha lá de casa, tomando café - conta ela.

Para Zulmira, o personagem real, cotidiano, que ela apresenta é indissociável do personagem histórico:

- Mostraremos na peça como esses fatos pequenos do passado têm impacto no presente.

Para o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, coordenador do Núcleo de História do Tempo Presente da UFRJ, é melhor que se produzam filmes, livros, minisséries e peças romanceadas e glamourizadas do que nada. Para ele, o brasileiro vive um momento de baixa auto-estima e por isso busca, mais que nunca, a identidade nacional:

- Essas obras politizam. Afinal, o Brasil republicano só teve dois grandes personagens: Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek. Na história recente, dois presidentes perderam a oportunidade de serem seus pares: Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. O fracasso dos chefes de Estado contemporâneos só engrandece JK e o líder do trabalhismo. Nós precisamos dos mitos do passado, senão entraremos num profundo desamor pela República.

Mas o passado representado pelo governo JK é duramente criticado por figuras como o documentarista Wladimir de Carvalho, diretor de Conterrâneos velhos de guerra, lançado em 1990. No filme, ele mostra, através de depoimentos de trabalhadores, o massacre de 800 operários nordestinos que trabalharam em 1959 na construção de Brasília, inaugurada em 1960.

- Sem dúvida, Juscelino foi um grande estadista, mas também foi o presidente que teve o governo mais corrupto da história republicana. Brasília é uma grande superprodução de JK, com roteiro do arquiteto Lúcio Costa e direção de Oscar Niemeyer - ironiza ele, que levou 15 anos para terminar o filme por conta do medo das pessoas de gravar entrevista.

Tema polêmico na vida de Juscelino, o romance extra-conjugal mantido por 18 anos com a socialite Maria Lúcia Pedroso é abordado tanto na minissérie de Maria Adelaide quanto no filme de Zelito Vianna. Mas a família do presidente aprova somente o projeto da TV Globo. Neta do presidente, Anna Cristina Kubitschek Pereira, presidente do Memorial JK, afirma:

- A minissérie vai mostrar a obra e a trajetória de meu avô como homem público.