Título: Rinha da vergonha
Autor: ANTONIO SEPÚLVEDA
Fonte: Jornal do Brasil, 27/10/2004, Outras Opiniões, p. A11

Muitos dirão que um simples galista não deveria provocar tanta celeuma no país do clientelismo

São constrangedoras as circunstâncias que envolvem a prisão em flagrante do sr. José Eduardo Cavalcanti de Mendonça, o popular Duda, marqueteiro do presidente Lula da Silva e da nomenclatura petista. Surpreendidos em atividades criminosas numa rinha, Duda, Jorge Hauat, vulgo Babu, vereador eleito do PT e - pasmem - integrante da Polícia Civil, e outros quatro elementos foram indiciados por crime ambiental, formação de quadrilha, corrupção de menores, maus tratos a animais e apologia ao crime.

No submundo das brigas de galo, Duda atende pela alcunha bíblica de Sansão e despende quantias que, segundo a Polícia Federal, alcançam lances de R$ 22 mil. O clube, do qual ele é sócio fundador, movimenta somas ponderáveis em apostas. Se considerarmos que cada bom galo de briga vale entre R$ 15 mil e R$ 50 mil e que os prêmios aos vencedores incluem carros zero quilômetro e chegam a R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo, inferimos que os montantes da farra do galo devem ser expressivos, o que, salvo melhor juízo, mereceria a atenção da Receita Federal.

Muitos dirão que um simples galista não deveria provocar tanta celeuma no país do clientelismo, dos subornos, dos desvios de recursos, dos bicheiros, das propinas, da violência urbana, do banditismo subsidiado do MST e da supremacia do tráfico de drogas. Ora, criminosos muito piores do que os iniciantes Duda e Babu são juízes togados ou recebem mandatos executivos e legislativos; e o famigerado Waldomiro Diniz desfrutou confiança e simpatia nas sombras do Planalto.

Os sectários petistas - até com alguma razão - mostrarão garras e dentes àqueles que tentarem algum proveito político dessa falha de caráter do ''seu'' Duda e do ''seu'' Babu. Acontece que foram eles mesmos, o Duda e o Babu, que tomaram a iniciativa de pôr seus vícios na esfera política. A declaração de Babu foi um exemplo clássico da mente distorcida dos nossos representantes: ''Estou aqui para agradecer os votos dos meus eleitores. Aprecio o esporte, mas não crio meus galos para a briga. Vou agora estudar a legalização da briga de galo''. Babu não faria feio no papel de vilão de uma chanchada da Atlântida.

Duda, por sua vez, não perdeu tempo em querer intimidar os policiais com a tradicional ''carteirada'': ''Sou assessor do presidente!'' ''Sou amigo do Lula!'' ''Vou ligar para o Ministro da Justiça!'' ''Todo mundo sabe que esse é meu hobby?'' Todo o mundo, ''seu'' Duda? Impudente, ele responde: ''O presidente sabe que eu gosto de briga de galo''. A ser verdade, gostaríamos de descobrir se Lula da Silva aprova essas atividades ilegais ou, em outra hipótese, foi tendenciosamente omisso. Mas sejamos otimistas. Vamos acreditar que Duda, consumido pelo medo do escândalo, tenha mentido sobre o presidente. Mas e a Agência Brasileira de Inteligência? Sabia ou não sabia? Se a Abin não sabia das atividades ilícitas de Duda, um assessor tão próximo do poder, deu-nos nova demonstração de incompetência; se sabia, deve ter contado ao José Dirceu ou a alguém do primeiro escalão do governo. O fato nu e cru é que nada disso cheira bem.

Infelizmente, sabemos de antemão, por vasta experiência com a impunidade nacional, que ninguém vai cumprir pena; muito menos por causa de briguinha de galos. Aos apreciadores do ''esporte'', como Babu, basta esperar a breve reabertura do rinhedeiro do Sansão. O Brasil é assim e, ao que parece, não vai mudar tão cedo. É agüentar o rojão ou morrer de vergonha.