Título: Supremo valida confisco
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Fonte: Jornal do Brasil, 27/10/2004, Internacional, p. A12

Protesto contra decisão de aceitar conversão de depósitos em dólar para pesos deixa feridos

O Supremo Tribunal da Argentina declarou constitucional ontem a conversão para pesos dos depósitos em dólares imposta há dois anos, a chamada ''pesificação''. Com cinco votos a favor e um contra, o tribunal emitiu uma sentença considerada essencial, pois o país tenta negociar com seus credores a solução para a maior moratória da história.

A decisão de declarar constitucional a ''pesificação'', aplicada pelo governo em meio à grave crise atravessada pela Argentina em janeiro de 2002, põe fim a milionários recursos judiciais contra os bancos.

Ao saber da decisão, cerca de 200 pessoas, que desde ontem à noite protestavam em frente ao Palácio de Tribunais de Buenos Aires, entraram em confronto com a polícia. Logo depois, grupos de manifestantes quebraram vidros e acenderam fogueiras, enquanto outros conseguiram se aproximar do escritório no qual os juízes estavam reunidos. A polícia usou gás lacrimogêneo e deteve algumas pessoas que entraram nos tribunais. Uma mulher e um jornalista ficaram feridos.

Na confusão, o presidente da Associação de Correntistas da República Argentina, Carlos Baez Silva, anunciou que o grupo recorrerá à Corte Interamericana de Direitos Humanos ''para exigir a justiça''.

A sentença foi baseada em um ditame do procurador-geral, Esteban Righi, que na sexta-feira aconselhou a validação da ''pesificação'' devido à emergência econômica que o país vivia quando a medida foi aplicada.

De acordo com o ministro da Justiça, Horacio Rosatti, o tribunal ainda deve divulgar com exatidão quais são os efeitos da resolução, pois ''os casos que têm de ser resolvidos são todos diferentes''. Os juízes supremos se pronunciaram sobre um recurso apresentado por quatro correntistas que pretendiam recuperar depósitos de US$ 1,3 milhão.

A ''pesificação'' foi adotada para a devolução dos depósitos bancários recolhidos pelo denominado ''corralito'' financeiro em meio a uma crise política, econômica e social sem precedentes na Argentina. Até agora, os bancos desembolsaram 8,793 bilhões de pesos (cerca de US$ 2,95 bilhões) devido a recursos a favor de correntistas prejudicados pela medida, segundo o Banco Central.

O ''corralito'', que restringiu o uso dos depósitos bancários em dólares e pesos, foi imposto no início de dezembro de 2001 pelo então presidente Fernando de la Rúa, que renunciou poucas semanas depois em meio a uma explosão social que culminou com cerca de 30 mortos.

Eduardo Duhalde, que assumiu a Presidência interinamente em janeiro de 2002, decretou o fim da paridade cambial com o dólar e o mecanismo de ''pesificação'' para a reintegração dos depósitos na moeda americana a um valor inferior à cotação no mercado cambial.

Antes de a sentença ter sido anunciada, o ex-presidente Duhalde se pronunciou a favor de que a Corte aceitasse a ''pesificação''. A decisão contribui para melhorar a situação do setor financeiro, pois a Argentina se prepara para lançar a credores sua oferta de refinanciamento de dívidas por US$ 81,2 bilhões mais juros que estão em moratória desde o fim de 2001.