Título: A estratégia do silêncio
Autor: Fernando Exman
Fonte: Jornal do Brasil, 21/07/2005, País, p. A2

O tesoureiro licenciado do PT, Delúbio Soares, assumiu ontem toda a responsabilidade pelo caixa 2 do partido e, protegido por um habeas- corpus, se negou a revelar a quem o dinheiro dos empréstimos sacados das contas das empresas do publicitário Marcos Valério foi destinado e quem ele indicou para fazer os saques. ¿Não tenho preocupação nenhuma. As investigações vão esclarecer quem recebeu. Não tem dinheiro público, é dinheiro privado ¿ disse Delúbio.

Parlamentares da oposição afirmavam a todo instante que Delúbio estava mentindo. E até mesmo a bancada governista cobrava maiores esclarecimentos.

¿ A omissão nunca é uma boa técnica. Agora teremos que investigar com mais energia ¿ comentou o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP).

Delúbio também negou a existência do esquema do mensalão. Afirmou, logo no início da sessão, que todos na CPI tinham conhecimento de que os partidos em geral não contabilizam oficialmente empréstimos e doações para campanhas eleitorais.

¿ Todos nós nessa sala sabemos como são feitas as campanhas. Os protestos foram imediatos. Em sua vez de se pronunciar, o deputado Jefferson Peres (PDT-AM) disse que uma afirmação desse tipo pode prejudicar o Congresso Nacional.

¿ Generalizar essa prática é condenar a instituição à ilegitimidade ¿ reagiu. Delúbio explicou que o PT utilizou em 2003 e 2004 R$ 39 milhões não contabilizados oficialmente para pagar dívidas com fornecedores do partido e de legendas da base governista nas eleições estaduais de 2002. Explicou que em diversos estados o PT não estava em boa situação nas pesquisas e por isso o partido não recebeu doações legais de empresas e pessoas físicas.

Delúbio afirmou que procurava recursos por meio de terceiros para evitar pedir doações a empresas e pessoas físicas: poderia parecer, assim, que o governo se dispunha a dar compensações pela ajuda. Recusou-se a revelar ¿ para os vários parlamentares que fizeram a pergunta ¿ quais campanhas e diretórios do PT receberam o dinheiro

¿ As investigações vão esclarecer ¿ limitou-se a responder.

Garantiu que a executiva do partido não sabia do caixa 2. Tinha ciência apenas dos empréstimos contabilizados.

¿ Sei as implicações que isso tem para o meu partido. Mas é melhor trabalharmos com a verdade e a realidade dos fatos. Resolvi dessa maneira. Posso ter errado. E assumirei com honra e dignidade ¿ afirmou, citando os processos criminais a que poderá responder na Justiça.

Garantiu também que nunca tratou desse assunto com ninguém do governo. Quanto à reação do próprio PT, Delúbio se mostrou preparado para o pior.

¿ Se acharem que estou mentindo, vão me expulsar. Sei disso.

Os recursos foram sacados de contas de empresas de Marcos Valério por pessoas indicadas por Delúbio. Ele disse que os demais integrantes do PT não tinham conhecimento desses empréstimos e que ainda não sabe como serão pagos a Valério. Negou também a acusação de que teria feito tráfico de influência.

¿ Eles inventaram essa grande farsa. As declarações de Delúbio não se sustentam ¿ afirmou o deputado Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA).

Aparentemente sedado, de acordo com a impressão de alguns parlamentares, em alguns momentos, no entanto, entrou em atrito com seus inquiridores. Instado por Heloísa Helena (PSOL-AL) a não aceitar ser o único culpado para salvar outros dirigentes do PT, Delúbio recomendou à senadora que ela não deixasse prevalecer em seus questionamentos a mágoa por ter sido expulsa da legenda.

Em outro momento, se recusou a responder a ACM Neto se havia recebido orientação de seus advogados para não falar sobre seus rendimentos e patrimônio pessoal e disse que só responderia a questionamentos realizados dentro do tempo (15 minutos) concedido a cada deputado. Após evitar, em outras ocasiões, dizer quais eram suas posses, Delúbio revelou que tinha um patrimônio de R$ 163 mil, morava de aluguel há 16 anos no mesmo edifício em São Paulo, e que estava pagando prestações de um carro da marca Toyota.

O presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS), afirmou que tomará providências adicionais para evitar que documentos confidenciais desapareçam da comissão. Até agora, duas ocorrências foram registradas.

¿O PT não compra deputados nem compra votos¿ MENSALÃO

Delúbio negou que o PT pague mensalão a deputados para aprovar projetos do governo. ¿O PT não paga mesada a parlamentares de nenhum partido, o PT não compra votos para votar nos projetos de interesse do governo.¿ Ele afirmou que o relacionamento com o PTB era ¿sadia¿. ¿As informações do deputado não procedem e, no momento certo, vamos trabalhar a informação correta.¿

CAIXA DOIS

O ex-tesoureiro chamou de ¿recursos não-contabilizados¿ os supostos empréstimos feitos pelo publicitário Marcos Valério para o PT. Disse que foi procurado por candidatos de seu partido e da base aliada que teriam ficado com dívidas de campanha. Recusou-se a citar nomes, mas esclareceu que ¿normalmente era para campanhas majoritárias¿. Insinuou que a prática de caixa dois é comum. Disse que não avisou ninguém da Executiva do PT sobre essa prática.

EMPRÉSTIMOS

Para quitar as dívidas ¿não-contabilizadas¿ procurou Marcos Valério. ¿Ele se ofereceu e eu concordei.¿ Disse que as empresas tomaram dinheiro de bancos. ¿Não há nada em meu nome ou do PT.¿ Afirmou que os empréstimos foram feitos ¿na base da confiança¿.