Título: PT cobra explicações de João Paulo
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 21/07/2005, País, p. A5

A nova direção do PT quer explicações do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP) sobre suas relações com Marcos Valério Fernandes de Souza, acusado de ser um dos operadores do mensalão. Integrantes da Executiva Nacional confirmam que, diferente de outros petistas flagrados na lista do Banco Rural, que se apressaram em procurar a legenda para se justificar, João Paulo, até o momento, não explicou-se.

- Encontrei com ele em São Paulo e não me falou nada. Tenta passar a impressão de que nada está acontecendo - confirmou um integrante da Executiva.

Ontem, o secretário-geral do PT, deputado Ricardo Berzoini (PT-SP), defendeu que todos os petistas - incluindo o ex-presidente da Câmara - que têm seus nomes vinculados de alguma forma aos recentes escândalos devem ser submetidos à Comissão de Ética do PT. Berzoini afirmou que essa medida não significa pré-julgamento.

- Todos os parlamentares têm de prestar contas à CPI, à Justiça, ao Ministério Público e ao partido - cobrou Berzoini.

João Paulo era esperado ontem em Brasília, mas permaneceu em São Paulo. Um dia depois de sua mulher ter sido confirmada como sacadora de R$ 50 mil no Banco Rural, o deputado sequer divulgou nota.

Semana passada, ele foi à CPI tentar justificar a ida de sua mulher, Márcia Regina Milanésio Cunha, à agência do Banco Rural em Brasília. A alegação inicial era de que Márcia pagaria uma fatura da TV a cabo. Após a confirmação do nome de Márcia na lista de visitantes da 'agência do mensalão', ele retirou a justificativa.

- Ele mentiu para a CPI. Só o fato de ele apresentar uma versão e alterá-la ao sabor dos acontecimentos, já caracteriza a quebra de decoro parlamentar - confirmou um parlamentar paulista que integra a CPI.

A oposição marca os passos de João Paulo. O deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS) está examinando os contratos firmados pelo ex-presidente da Casa, no valor de R$ 10 milhões, com a SMPB, de Marcos Valério.

Na última sexta, o JB apontou coincidências entre as reuniões de João Paulo e Valério, o saque de R$ 50 mil de Márcia Regina e o processo de licitação para contratação da SMPB como a agência da Câmara.

- A situação de João Paulo é delicada. Ele está diretamente ligado a Valério, não há como separá-los - confirmou Onyx.

O pefelista baseia-se em fatos concretos. Marcos Valério foi o responsável pela campanha de João Paulo para presidente da Câmara, em janeiro de 2003 - apesar de este ser candidato único. Dez meses depois, a agência de Valério ganha a conta da Câmara, correspondente a R$ 10 milhões.

- Em sinal de gratidão, ele indicou Valério para fazer as campanhas municipais de Osasco, reduto eleitoral de João Paulo - acusou o pefelista.

Integrantes da bancada petista lembram que João Paulo apresentou o suposto operador do mensalão como marqueteiro para a campanha de São Bernardo do Campo. Alguns parlamentares confirmaram a versão apresentada pelo ex-secretário do PT Silvio Pereira de que as peças publicitárias apresentadas por Valério eram bem aquém do esperado.

- Rejeitaram o material, mas Valério estava pendurado no João Paulo. Com Delúbio, o vínculo era financeiro. Com João Paulo, político - confirmou um petista.

De olho na candidatura ao governo de São Paulo em 2006, João Paulo aproveitou uma parceria da SMPB com o Vox Populi para fazer uma série de pesquisas qualitativas sobre a Câmara. Aproveitou para fazer perguntas específicas para São Paulo, para medir sua viabilidade eleitoral.

Para o presidente do PPS, Roberto Freire, o movimento de João Paulo de apresentar uma justificativa à CPI para depois retirá-la não vai ajudá-lo em nada. Lembra que caso outros sinais de envolvimento do ex-presidente da Câmara tenham acontecido, eles estarão gravados nos bancos.

- É como a ilusão de quem depõe amparado em habeas-corpus. Não diminui a mentira.

Em setembro de 2004, um ano depois de Márcia Regina ter ido à agência do Banco Rural, em Brasília, quando o JB divulgou a existência de um esquema de pagamento de mesada para deputados votarem com o governo, João Paulo, então presidente da Câmara, chegou a abrir sindicância para apurar as denúncias. Acabou desistindo quando o deputado Miro Teixeira (PT-RJ) recuou da denúncia. A sindicância foi arquivada duas horas depois de aberta.

A reação de João Paulo, que arquivou o processo antes de as investigações serem feitas, alegando falta de provas, foi lembrada pelo ex-presidente do PTB, Roberto Jefferson, durante entrevista a Folha de São Paulo e durante os depoimentos na CPI dos Correios e no Conselho de Ética. O fato foi citado também pelo ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares durante depoimento a PF.

- Em setembro de 2004 o Jornal do Brasil publicou matéria noticiando o suposto esquema de pagamento de parlamentares em troca de votos e a direção do PT solicitou ao presidente da Câmara a apuração das denúncias, que foram arquivadas por falta de provas - lembrou Delúbio em seu depoimento à PF.