Correio Braziliense, n. 21468, 26/12/2021. Política, p. 2

Hiperconectividade vai pautar eleições

Taísa Medeiros


Nos últimos dois anos, em razão da pandemia, os brasileiros mergulharam no universo das redes sociais. Os 150 milhões de usuários das plataformas digitais intensificaram a relação com o ambiente virtual. Segundo um estudo da Hootsuite, feito em parceria com a We Are Social, o número de usuários das redes sociais no Brasil, quando comparado ao total de habitantes, é de 70,3% da população. Este dado coloca o país como uma das nações protagonistas da interação social por meio das telas.
Essa realidade tem um significado político. Com atividades cada vez mais digitais, a política brasileira também encontra seu espaço no mundo virtual. Em 2018, as redes sociais foram decisivas para a eleição de Jair Bolsonaro. O presidente fez uso delas como arma política para angariar votos, e ainda faz, para manter a conexão e interação com os eleitores todas as quintas-feiras, por exemplo, o chefe do Executivo realiza uma live, na qual traz novidades sobre o governo e declarações sobre os principais assuntos da semana.
Para as eleições de 2022, o esperado é que os candidatos tenham que adaptar discurso e estratégias para o mundo das mídias sociais. É o que acredita a socióloga e professora da Universidade de Brasília (UnB) Christiane Coelho. Para ela, o uso das redes sociais como forma de conquistar o eleitorado será mostrado com força no pleito que se aproxima.
“Neste processo, duas questões são importantes: o personalismo e a aparente proximidade com que estas redes se dirigem aos eleitores. Este tipo de abordagem tem impactos políticos fortes, e quem dominá-los terá vantagens”, avalia.
A socióloga ainda complementa que, por estar mais presente nas redes sociais, o público jovem deve ser mais impactado mas a estratégia não deve ser restringida a eles. “Considero que será uma estratégia fundamental e decisiva, que terá impactos generalizados, podendo influenciar mais os jovens, mas que será importante para a população em geral”, diz.
Christiane Coelho ainda observa que, com a mudança das formas de consumo de informação, há uma tendência muito maior de que a população decida seus votos por meios digitais. “Foi-se o tempo em que apenas os segundos de antena na televisão e a capacidade de elaborar grandes discursos em público era fundamental para a conquista do eleitorado”, pontua.
No contexto digital da política, é preciso compreender aspectos característicos das novas plataformas de comunicação. Um ponto que deve ser observado, por exemplo, é o potencial de viralização natural desses meios, como explica o especialista em marketing digital e diretor de Comunicação e Marketing da Fundação Getulio Vargas (FGV), Marcos Facó. “Hoje se fala muito dos

o rápido que seja eleito, provocando uma adesão rápida. Você pode sair do zero para um milhão de seguidores em questão de dias”, destaca.
Além dessa peculiaridade, Facó aposta em uma constante renovação nos cargos políticos por conta das redes sociais. “Os partidos também começam a mudar o olhar. Antes, o candidato era aquele que tinha presença e influência na comunidade. Hoje em dia, um influenciador tem uma facilidade de angariar votos até maior do que alguns políticos. Pode ser que surja uma troca de perfis na política brasileira”, projeta. Para o especialista, com o crescimento do consumo de vídeos, o TikTok será a principal plataforma virtual nas eleições em 2022.

Infodemia e prevenção
Mas quando se trata de redes sociais, uma pauta continua latente: a disseminação de notícias falsas e a desinformação que determinados comportamentos no consumo de notícias podem gerar. Em 2020, durante os primórdios da crise sanitária mundial, o termo “infodemia” foi adotado para definir outro fenômeno: a epidemia de informações. O motivo é que, em um momento de insegurança e muitas dúvidas, as informações circulavam com mais agilidade, gerando alto número de compartilhamentos, mas poucas checagens.
Christiane Coelho alerta para as “bolhas virtuais”. Em forma de grupos de referência e a confiança com membros da família, por exemplo —, essas conexões se tornam propagadoras de desinformação. “A desinformação e as fake news têm invadido também a nossa realidade. Muitas vezes as pessoas não questionam as informações que recebem e, na rapidez e velocidade da sociedade moderna, não param para refletir de forma crítica”, analisa a socióloga.
Há ainda, a complexificação das fake news, divididas em dois grupos: as cheap fakes (falsificação barata, em tradução livre) e as deep fakes (falsificação profunda). A primeira se trata de vídeos manipulados de forma primária, sem necessidade de muito conhecimento técnico e cuidado. Já as deep fakes são elaboradas por meio de técnicas sofisticadas, como inteligência artificial. Em alguns casos, apenas especialistas são capazes de identificar a manipulação.
Facó destaca que tanto uma quanto a outra estratégia poderão ser usadas para gerar notícias falsas. Essas manipulações têm potencial para prejudicar um candidato, por meio da distorção da realidade. “Além de perder a credibilidade, o candidato atingido precisará lutar para comprovar a inautenticidade do vídeo. Mesmo que seja comprovada, cria-se uma descrença por padrão na sociedade, o que é uma real ameaça ao discurso democrático. Você não sabe mais em quem acreditar”, alerta o especialista, citando o conceito de “desinformação generalizada”.

Essa desconfiança provocada pela disseminação de notícias falsas tem consequências graves. Por um lado, estimula um clima de descrédito em relação à atividade política. Por outro, prejudica os meios de comunicação tradicionais, que seguem regras do jornalismo profissional. Esses efeitos se tornam um problema para a democracia. “Você vê uma reportagem que incrimina um político na grande mídia e começa a duvidar. O político se defende dizendo que é fake news. Há uma desestabilização na sociedade. Com isso, você permite que os políticos elevem o cinismo, por essa perda de confiança, e começa a minar todas as instituições democráticas”, explica.
Facó detalha a complexidade da situação. Sem conhecimento técnico ou interesse para verificar a autenticidade da informação veiculada em redes sociais, o usuário acaba por disseminar mentiras ou meia-verdades. Por isso, o especialista reforça a importância de consumir conteúdos informativos de fontes reconhecidas. “É essencial checar em mais de um veículo se o fato está sendo replicado. O grande problema é que muitas pessoas preferem acreditar e distribuir a informação que está corroborando a posição e crença dele, o que torna cada eleitor um potencial influenciador”, define.