Título: A teoria do caos
Autor: Marcus Quintella*
Fonte: Jornal do Brasil, 21/07/2005, Outras Opiniões, p. A13

Os recentes acontecimentos levam-nos a inferir que estamos em pleno caos. Todavia, o caos não é o fim do mundo, como se imagina, nem aterrador, como muitos apregoam. Antigamente, os gregos usavam a palavra caos como significado de vasto abismo. Na semântica moderna, caos significa desordem ou confusão.

Em contrapartida, existe a teoria do caos, que, na verdade, não preconiza a desordem, mas busca na aparente casualidade uma ordem intrínseca, determinada por leis precisas. Segundo a teoria do caos, há ordem na desordem e desordem na ordem. Por isso, penso que detrás da desordem moral e ética da atual conjuntura política, inexplicavelmente, existe uma ordem oculta.

No caso de um sistema político como o nosso, quanto maior a diversidade de princípios morais, éticos, partidários, espirituais e filosóficos, maior a probabilidade de ocorrer uma estabilidade ao longo do tempo. A democracia é um sistema político naturalmente complexo e seus desequilíbrios eventuais têm como ser compensados, já que o próprio sistema muda seu ponto de equilíbrio, mas não entra, necessariamente, em colapso quando um ou mais participantes sucumbem ou algumas instituições são desmoronadas.

Na realidade, as inúmeras interações entre idéias, interesses e injunções político-partidárias e as constantes mudanças dos indivíduos, mesmo que ínfimas, são suficientes para desabrochar toda a complexidade e organização de um sistema político. Isso é conhecido como efeito borboleta, definido pelo matemático belga David Ruelle, em seu livro Acaso e Caos, pela seguinte parábola: o bater das asas de uma borboleta, hoje, na Amazônia, poderá desencadear um furacão na Índia, no ano que vem.

Parece que aquela simples batida de asas do deputado Roberto Jefferson, há pouco mais de um mês, já está provocando um grande vendaval no governo Lula e promoverá, no futuro, um tremendo furacão de benéficas alterações ideológicas, morais e éticas para a sociedade como um todo.

No entanto, cabe lembrar que política e corrupção sempre andaram de mãos dadas, desde os tempos bíblicos. Acho pouco provável existir no planeta um governo que não tenha corrupção. Encontraremos tipologias de corrupção diferentes, menores ou maiores, e sistemas punitivos mais ou menos severos. Outrossim, não devemos nos esquecer da história recente do país, especialmente dos governos Collor e FHC, que também tiveram episódios importantes de corrupção explícita. Além disso, Lula e o PT são os inimigos a serem batidos, porque sempre levantaram os estandartes da moral e transparência, passando para o povo a imagem dos paladinos da justiça e dos combatentes da corrupção. Quando na oposição, o PT exigia investigações contra o governo e instaurações de CPIs para tudo. No poder, o PT abandonou os brados ufanistas e adotou discursos apaziguadores e posições contrárias às investigações dos escândalos do ''mensalão'', dos correios, do caso Waldomiro Diniz, das malas de dinheiro etc.

Desta forma, para que haja ordem na desordem moral e ética da corrompida política brasileira, as parcelas íntegras da sociedade, principalmente os meios de comunicação, não podem esmorecer nem permitir acochambrações políticas que abrandem o furacão corregedor do efeito borboleta.

Em suma, o caos não é tão ruim assim, caso contrário, nada disso viria à tona e a corrupção continuaria camuflada e cada vez mais devastadora. Hoje, pelo menos, estamos sabendo, interagindo, cobrando e mostrando maturidade política.

*Marcus Quintella é professor da FGV e do IME.