Título: IRA anuncia fim da luta armada
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Fonte: Jornal do Brasil, 29/07/2005, Internacional, p. A7

O IRA, o Exército Republicano Irlandês, que por 35 anos usou o terrorismo para combater a submissão da Irlanda do Norte à Grã-Bretanha, anunciou ontem que está renunciando à violência como arma política. O comunicado é visto pelos governos do Reino Unido e da Irlanda como uma medida decisiva para a paz permanente. Mas líderes protestantes se mantêm cautelosos.

- Dou boas-vindas ao reconhecimento de que a rota para a mudança política está em medidas democráticas e pacíficas. Este é um passo de magnitude sem paralelo na história recente da Irlanda do Norte - comemorou o primeiro-ministro britânico, Tony Blair.

- É o fim do IRA como uma organização paramilitar - resumiu o premier irlandês, Bertie Ahern.

O anúncio foi realizado em DVD, no qual o veterano Seanna Walsh, de 48 anos, ordenava que todas as unidades clandestinas depusessem armas e cessassem todas as atividades às 16h de ontem. Desde 1997, o grupo estava em trégua, várias vezes abalada, com o governo britânico. Estima-se que ainda haja entre 500 e mil guerrilheiros.

- Todos os voluntários foram instruídos a aderir aos programas puramente políticos e democráticos através de meios exclusivamente pacíficos - disse o comandante Walsh. Um dos mais antigos prisioneiros ligados ao IRA, já cumpriu 21 anos de detenção por manufatura de explosivos, posse de um rifle e roubo a banco.

Segundo o comunicado, um padre católico, um ministro protestante e John de Chastelain - general reformado canadense que desde 1997 vem persuadindo o IRA a se desarmar - serão convidados a testemunhar a deposição de armas, inclusive daquelas escondidas em bunkers. As autoridades não sabem de quantas peças é composta a artilharia da guerrilha católica, mas um levantamento dos anos 90 estima que sejam mais de 500 rifles ''Armalite'' e ''AK-47'' e outros de alta precisão ''Barrett Light 50''. Também não sabem a localização dos esconderijos, mas acreditam que seja na vizinha Irlanda (Eire).

- Há tempo para resistir, para se levantar e confrontar o inimigo com armas, se necessário. Em outras palavras, infelizmente há um tempo de guerra. Mas há também a era para se engajar, estender a mão e deixar a guerra para trás. Este tempo é agora - afirmou Gerry Adams, líder do braço político do IRA - o partido Sinn Fein, e ex-membro do comando de sete homens da guerrilha, entre os anos 70 e maio último.

Em contrapartida, o IRA pediu que as maiorias protestantes na Grã-Bretanha e na Irlanda do Norte aceitem a nova posição do grupo como suficiente para retomar as negociações de divisão de poderes em Belfast, a principal reivindicação dos rebeldes no acordo de paz da Sexta-Feira Santa, de 1998.

Personalidades locais, entretanto, não se mostram tão otimistas e alertam para o histórico do grupo, que no passado já frustrou promessas públicas. Até o premier Ahern, que desde 1997 intermediava as negociações entre o IRA e Londres, ressaltou a necessidade de medidas concretas:

- Se as palavras do IRA se confirmarem em ações verificáveis, será histórico.

Líderes protestantes estão ainda mais desconfiados das motivações da guerrilha e advertiram que passarão meses até se saber se a promessa é verdadeira. Lembram que o IRA devia ter se desarmado completamente em meados de 2000, como parte do acordo da Sexta-Feira Santa, mas não começou o processo até o fim de 2001 e o interrompeu em 2003.

- Os comandantes do IRA falharam em explicitar um fim para sua atividade criminosa milionária. Falharam também em dar a transparência necessária para construir a confiança de que as armas serão totalmente entregues - afirmou Ian Paisley, do Democratic Unionist Party, que representa a maioria dos protestantes.

Todas as partes se comprometeram em ressuscitar a administração católica-protestante (nascida em 1999 e desmantelada em 2002) que substituiria a autoridade primária britânica na Irlanda do Norte - território oficialmente integrante do Reino Unido, sob jugo da Coroa britânica. No entanto, protestantes insistem que não vão trabalhar com o Sinn Fein até que o IRA deixe de ser uma ameaça à estabilidade da Irlanda do Norte.

Em meio à perene trégua, a polícia acusou a guerrilha, em dezembro, de ter roubado um banco em Belfast, no assalto mais lucrativo da história: US$ 46,5 milhões. Em janeiro deste ano, membros do IRA mataram a facadas Robert McCartney, um civil católico, do lado de fora de um bar em Belfast.

Em março, o presidente dos Estados Unidos, George Bush, citou as irmãs e a noiva da vítima durante as comemorações do dia de são Patrício - padroeiro da Irlanda -, enquanto o Sinn Fein era barrado na Casa Branca. Ontem, o ex-líder do partido, Martin McGuinness, também veterano do IRA, esteve no Capitólio, para promover o comunicado de desarme e recebeu apoio dos congressistas. Mas o enviado dos EUA para a Irlanda do Norte, Mitchell Reiss, teve uma reação mais cautelosa:

- Veremos em breve se estas palavras se converterão em ações.