Título: I¿m sorry! (Desculpe!)
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 29/07/2005, Outras Opiniões, p. A11

¿Cinco balas em nossos corações¿ era a faixa que estava na estação de Stockwell, em Londres, onde tinha sido executado, por engano e pela Scotland Yard, o brasileiro Jean Charles, um mineiro de Gonzaga, seduzido pelo paraíso da emigração. A faixa estava errada. Não eram cinco balas, eram oito, seguindo o treinamento científico das polícias londrinas, treinadas em Israel, que mandam atingir o cérebro dos perseguidos e, depois, mais alguns tiros de confirmação. Assim determina o manual: ¿atirar para matar.¿

Isso, no mundo de hoje, é o exercício da violência cotidiana. Nos países subdesenvolvidos a ação é mais artesanal. Os grupos de extermínio atiram sem normas científicas.

Os ingleses foram os mestres dos americanos na forma de tratamento entre as pessoas e as nações, na manifestação da arrogância, da prepotência e na noção de superioridade. Assim, no passado, trataram suas colônias, e o Brasil, em muitos episódios de sua história, não foi exceção na convivência com eles. Blair e Bush adotaram uma política comprovadamente ineficaz e frustrante: combater o terror com o terror.

Essa pobre e desolada mãe de Gonzaga que recebe o corpo morto do seu filho nada tem a ver com essa política. Ela é uma vítima no fim da cadeia interminável dos inocentes.

Lembro-me de Fernando Pessoa no poema ¿O Menino da sua mãe¿. Certamente ele não pensava no terror dos nossos dias. ¿No plano abandonado / Que a morna brisa aquece, / De balas trespassado / ¿ Duas de lado a lado ¿, / Jaz morto, e arrefece¿¿ Depois, continua: ¿Tão jovem! Que jovem era! / (Agora que idade tem?)¿ E conclui: ¿Lá longe, em casa, há a prece: / `Que volte cedo e bem¿ / Jaz morto, e apodrece, / O menino da sua mãe.¿

Nada existe mais desastroso, decepcionante nos resultados e estrategicamente inútil do que a guerra do Iraque. Cada dia chega um corpo morto de um jovem americano com sua vida encerrada pela política de Bush. O terror é a mais odienta forma de violência, porque atinge os inocentes sem clemência.

O que aconteceu com Jean Charles, jovem, saído de sua pátria, buscando a esperança de dias melhores, alimentando seus pobres e miseráveis pais condenados à pobreza absoluta?

Cartas de amor, as visitas de férias e os gestos de ternura acabaram-se. O que resta é o pobre corpo fuzilado, com o pavor e o medo dos homens que o agarravam. No chão do trem está terminada a sua vida. Hoje, chega a Gonzaga o que seria uma esperança de futuro: ¿o menino da sua mãe.¿

E Blair, generoso e humano (sic), promete quinhentos mil dólares de ajuda e delicadamente balbucia uma fórmula de cortesia: ¿I¿m sorry! (Desculpe!)¿ Mas determina à polícia: continuem a matar, de preferência latinos e mulçumanos. ¿Esse é nosso dever. Estamos estressados com os acontecimentos de Londres.¿ Ninguém pode negar aos ingleses a solidariedade e a revolta pelo que ali aconteceu. Mas é impossível atendê-los, oferecendo-lhes, sem revolta, o ¿menino da sua mãe¿, que chora em Gonzaga.

Triste do mundo em que vivemos ou, como dizia Lampião, ¿Meganha é meganha.¿ Blair ou Bush.

José Sarney escreve às sextas-feiras no JB