Título: ''Tem de haver punições''
Autor: Fernando Exman
Fonte: Jornal do Brasil, 01/08/2005, País, p. A2

Às vésperas do depoimento do ex-ministro da Casa Civil e deputado federal José Dirceu (PT-SP) ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, agendado para terça-feira, o deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP) defende que todos os citados na CPI dos Correios, inclusive Dirceu, prestem esclarecimentos à comissão. Pondera, no entanto, que os integrantes da CPI têm ainda que entrar em um consenso para definir quando será o melhor momento para que isso ocorra. Na avaliação de Cardozo, a CPI tem sido bem-sucedida em seus trabalhos. O deputado demonstra convicção de que o presidente Lula nada sabia do que está sendo revelado e que o Palácio do Planalto não será atingido por nenhum escândalo.

¿ Lula será um candidato forte à reeleição, independentemente dessa crise. Porém, é um cenário que se desenha hoje. Vamos verificar como é que o quadro se desenvolve a partir de agora.

Cardozo revelou temer que sejam feitos acordos para acobertamentos de parlamentares e disse que a opinião pública terá de cumprir seu papel de fiscalização para que isso não ocorra. A punição de todos os envolvidos, destacou o deputado pestista, será a solução para que o Legislativo não perca a ¿pouca legitimidade¿ que tem com a população.

- Qual a avaliação que o senhor faz dos trabalhos da CPI dos Correios até agora?

- Acho que foram bem-sucedidos, seguiram uma lógica de investigação coerente e estão rendendo resultados positivos. Acho que, às vezes, sai dos trilhos quando são transformados em verdadeiros palcos de debates político-eleitorais, o que atrapalha a investigação.

- Quais são os resultados já obtidos pela CPI?

- Ficou claro que existe um esquema de corrupção nos Correios. Há também indicadores objetivos de que Marcos Valério não era um empresário comum. Era um arrecadador de recursos eleitorais que parece ter iniciado suas atividades muito antes do atual governo. Claro que agora ele pode ter crescido e ampliado seus tentáculos. Mas ele já operava antes do governo Lula. O que resta saber é de onde vêm esses recursos, se de origem lícita ou ilícita. Esses são passos que a CPI já deu, mas terá que aprofundar.

- O destino desses recursos está claro?

- Ainda não. O Delúbio Soares (ex-tesoureiro do PT) diz que foram para campanhas eleitorais, mas essa é a afirmação dele. Nós vamos investigar.

- Há perigo de perda de legitimidade do Legislativo se a crise se agravar?

- Se não punirmos os culpados, vamos perder a pouca legitimidade que ainda temos. Se houver punições, mostraremos que estamos cumprindo nosso papel.

- Um dos pontos da reforma política são as listas fechadas. Não há o risco de os políticos envolvidos nas denúncias e que escaparam da cassação serem colocados nas listas por suas legendas?

- Esse não seria um problema porque se houver cassação por improbidade, essas pessoas estarão afastadas, sem direitos políticos durante oito anos. Acho que o sistema de listas é melhor do que o de voto individual. Porém, não sei se nessa crise isso começa a ser factível para as próximas eleições. Defendo essa reforma, mas tudo vai depender de como essa crise vai se desdobrar.

- Pode ser mais claro?

- Se ela se desdobrar na perspectiva de cortar todo mundo que tenha envolvimento em situações indevidas, acho que se pode discutir o sistema de listas. Se houver acobertamentos de modo que pessoas que deveriam ser cassadas permaneçam exercendo mandatos, a situação vai se complicar no que se refere à discussão desse sistema.

- A deputada Juíza Denise Frossard (PPS-RJ) afirma que o presidente Lula, ao conceder a polêmica entrevista na França participou da construção da tese de que houve um crime eleitoral de não contabilização de recursos para campanhas, negando assim a existência do mensalão. O sr. concorda?

- Discordo. O presidente falou vagamente que o PT fazia em eleições a mesma coisa que os outros partidos, não se referindo a caixa 2 ou empréstimos. E, mesmo que ele tivesse se referido a caixa 2, é notório que no Brasil há muita utilização desse expediente em campanhas eleitorais. Aliás, está aí a prova: também fora do PT, em uma situação complicada, a ação de Marcos Valério frente a outros partidos políticos em Minas Gerais. Em nenhum momento o presidente entrou na crise com aquela entrevista. Mas é óbvio que a oposição tenta construir essa leitura, tendo em vista a última pesquisa que colocou o presidente Lula em uma situação confortável para uma disputa eleitoral.

- O Palácio do Planalto será atingido por algum escândalo?

- Não. O presidente está totalmente fora. A população tem percebido isso. Ele quer uma investigação até as últimas conseqüências e tem chamado à responsabilidade todos nós do PT.

- A CPI do Mensalão foi instalada. Haverá choque de interesses?

- Sim. Há um objeto comum. É imprescindível que as duas CPIs se entendam.

- Em depoimento à CPI dos Correios, Renilda Santiago, mulher de Marcos Valério, sinalizou que há outras pessoas envolvidas no esquema de empréstimos não contabilizados. Quem serão os próximos alvos da comissão?

- Os outros sócios de Marcos Valério.

- Os integrantes da CPI decidiram adiar a votação de requerimentos que pedem novas convocações, entre elas a de José Dirceu, Gushiken e Genoino. O PT vai dificultar a convocação desses nomes ou outros do partido?

- Não. Temos que chamar todas as pessoas que têm envolvimento direto ou indireto com os fatos.

- Há interesse do PT que os trabalhos da CPI não sejam prorrogados para 2006 para não influenciar as eleições?

- Não. Precisamos acelerar o ritmo para investigar, mas com o maior rigor. Não discutimos prorrogação.

- Existem indícios de que esses mesmos problemas possam ter ocorrido no Senado Federal?

- Até agora, não.

- Como fica a questão da governabilidade?

- A economia vai bem. Vivemos uma crise política que é superável. Se não entrarmos na linha de acobertamentos e acordos, acho que o governo sai bem dessa crise.

- É possível projetar cenários para as eleições de 2006?

Lula será um candidato forte à reeleição, apesar da crise. Mas é um cenário que se desenha hoje.