Título: Planalto pára à espera de Dirceu
Autor: Paulo de Tarso Lyra e Renata Moura
Fonte: Jornal do Brasil, 01/08/2005, País, p. A3
Governo e oposição aguardam com ansiedade o depoimento do deputado José Dirceu (PT-SP), ex-ministro da Casa Civil, no Conselho de Ética da Câmara, marcado para amanhã à tarde. A expectativa em torno das revelações que o ex-homem forte de Lula poderia fazer paralisa as atividades do governo e do Congresso. No Planalto, reuniões e entrevistas foram adiadas para depois do depoimento. No Parlamento, nenhuma votação ou discussão, além da CPI.
É consenso que, ao apresentar sua defesa diante dos integrantes do Conselho, não será o parlamentar José Dirceu o julgado, mas o ex-chefe da Casa Civil, considerado o principal ministro do Executivo nos 30 meses em que compôs a administração de Luiz Inácio Lula da Silva.
Esta será a primeira vez em que o ex-todo poderoso ministro vai dar explicações publicamente sobre as acusações de comandar o esquema de corrupção envolvendo os recursos de Marcos Valério Fernandes de Souza. O Planalto tenta se fazer de desentendido, alegando que não há nada na crise suficiente o bastante para abalar o presidente Lula. Mas ninguém descarta as incertezas sobre o que virá no discurso de Dirceu.
- Até onde sabemos, ele está tranqüilo. Mas tudo pode acontecer, o governo estará preparado. Não há medo, mas também não há uma sensação de conforto - confirmou um assessor palaciano.
Dirceu se fechou nos últimos dias para conversar com advogados e assessores mais próximos. Passou o fim de semana em Cruzeiro do Oeste, no Paraná, mesma cidade onde viveu como clandestino durante uma década, antes de ser absolvido pela anistia política.
No início da semana passada, solicitou informações ao sistema de comunicação interna do governo, o SisGov. Queria ter conhecimento detalhado dos encontros e assuntos tratados em cada visita que recebeu na Casa Civil, além de todas as atividades desenvolvidas durante o período em que esteve no comando da pasta. Não quer deixar nenhuma pergunta sem resposta e quer ser o mais convincente possível.
- A impressão que tenho é de que ele vai defender-se e defender o governo. Não sei em qual ordem - resumiu um petista.
O medo do Planalto é de que o ex-ministro se sinta acuado. Apesar das afirmações públicas de apreço de Lula e de outros integrantes do governo, especialmente quando Dirceu voltou a Planície, o script ensaiado não condiz com a realidade. Nos bastidores, o ex-ministro tem tentado envolver o presidente Lula na crise. Através de assessores, Dirceu afirma que Delúbio era homem de confiança de Lula e não dele.
- Ele não pediu para sair, foi demitido. E isso magoa. Ainda mais se levarmos em conta que o governo está tentando, ao máximo, se descolar da imagem de Dirceu para tentar escapar da crise - confirmou um interlocutor próximo a Dirceu.
O petista não queria deixar o Planalto, foi Lula quem o avisou que a saída seria inevitável. Em uma reunião tensa na Granja do Torto, o presidente da República avisou que a demissão era o único caminho para tentar afastar a crise do Planalto. Petistas próximos a Dirceu afirmam que o ex-ministro chegou a chorar. Nos últimos dias, mais um desgosto: Dirceu não teria gostado de ver, pelos jornais, que o governo estaria negociando uma lista de cassações - com sua cabeça em primeiro lugar - para blindar o gabinete presidencial.
- Não é que ele esteja querendo vingança. Mas não acredito que ele vá aceitar isso calmamente - acredita uma pessoa próxima a Dirceu.
A decepção é justificável. Foi Dirceu quem acertou as alianças eleitorais em 2002 e 200 4, e quem mapeou as necessidades do PT nas disputas estaduais. Em sua cabeça, foi desenhada toda a estrutura da máquina administrativa federal. De sua caneta saíram as nomeações, em seu gabinete se reuniram os líderes aliados para acertar as votações das matérias importantes. Até hoje, alguns integrantes do governo ainda se vêem na necessidade de ligar para o ex-ministro para consultar sobre projetos e pareceres que ainda não foram aprovados.
- Não estamos falando em consultas. Mas não há como negar que ele sabe tudo, tem a memória do governo - resumiu um assessor do Palácio do Planalto.
A oposição, ao contrário dos governistas, acredita que o depoimento de Dirceu no Conselho de Ética está sendo superestimado. Para o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA), Dirceu não vai falar tudo o que sabe.
- Ele não é réu, é testemunha. O que Dirceu mais quer neste momento é ganhar tempo. Para quê ele vai antecipar uma linha de defesa completa neste momento? - questionou o pefelista.