Título: PT em contagem regressiva
Autor: Paulo Celso Pereira e Rodrigo de Almeida
Fonte: Jornal do Brasil, 01/08/2005, País, p. A7

O Partido dos Trabalhadores sofrerá em breve um novo abalo. Em conversas e reuniões, o incômodo generalizado de correntes da chamada esquerda do partido começa a ganhar a forma de mais uma lista de dissidentes. A nova onda de desistência deve ficar mais nítida esta semana, quando um encontro em São Paulo tentará estabelecer que rumos tomar. O espectro de insatisfeitos inclui intelectuais, políticos com mandato a defender e representantes do setor progressista da Igreja Católica.

Os novos dissidentes seguem os passos de outros grupos já afastados do PT, como os parlamentares expulsos do partido, entre os quais a senadora Heloisa Helena e a deputada Luciana Genro - ambas no P-SOL - e intelectuais como Paulo Arantes, Carlos Nelson Coutinho, Leandro Konder e Plínio Arruda Sampaio Jr.

Entre incertezas sobre desistir ou seguir lutando pelo partido, muitas informações têm circulado nos bastidores da legenda. Oficialmente, porém, a única certeza é que o resultado do Processo de Eleições Diretas (PED), em setembro, será um marco zero para muitos petistas. Na disputa estão Tarso Genro, presidente interino do partido, representando o chamado Campo Majoritário, e pela esquerda, com mais chances, estão Plínio de Arruda Sampaio, Raul Pont, Valter Pomar e Maria do Rosário.

Dois cenários podem segurar aqueles que ainda conferem uma face de esquerda ao PT: a derrota do grupo majoritário, que vem comandando o partido há cerca de dez anos e conduziu a sigla a um contínuo processo de abandono de velhas teses; ou, se não a derrota, pelo menos uma composição que garanta à esquerda voz mais ativa nas decisões e no programa petista.

- O PED é a nossa derradeira batalha - afirma o deputado federal João Alfredo (CE), que integra o grupo insatisfeito, mas deixa claro que fala por si.

O deputado acentua que o problemas ético não a única razão para a saída. As principais razões da desistência, ouvidas pelo JB de pelo menos cinco fontes petistas, seriam: a condução ''autoritária'' do comando, a opção pela ortodoxia econômica e a inflexão à direita revelada nas alianças e na ampliação do espaço do PMDB no ministério.

O deputado federal Chico Alencar (PT-RJ), um dos parlamentares mais críticos ao governo Lula, confirma a necessidade de mudança.

- O PED ganhou um caráter decisivo. A única maneira de salvar a legenda é constituindo uma nova maioria, fiel ao programa partidário, que retome a interlocução com os movimentos sociais e seja, como pedia o ''velho'' Lula, a consciência crítica do governo - ironiza - É para reinventar o PT mesmo, não basta colocar remendo novo em pano velho.

O também deputado federal Ivan Valente (SP) reafirma a necessidade de fazer mudanças profundas no partido, mas nega o risco de debandada.

- Por que abandonaríamos a disputa? Quem não conduziu o partido corretamente foi o grupo majoritário. Fazemos questão de estar na disputa, e com uma candidatura supra-tendências.

Para Valente, o impacto da crise sobre o PED vai afetar inclusive o modus operandi do Campo Majoritário que, segundo o deputado, lança mão de expedientes como filiações em massa, uso de meios de transporte e outras ações que levaram à despolitização do processo.

- Agora a situação é mais difícil pois haverá uma cobertura de toda a sociedade.

Os setores religiosos do PT são menos reticentes e já falam abertamente em sair. Um dos integrantes dessa ala, o pastor Mozart Noronha de Melo, membro fundador do PT no Rio, diz-se desencantado com ''o fim das utopias petistas''.

- Quando falo em utopias, refiro-me àquilo que não tínhamos mas desejávamos conseguir. Esse mito se desfez - pondera.

Como Mozart pensam muitos representantes das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Mas um encontro na semana passada em Minas Gerais escancarou as avaliações divergentes dos católicos progressistas. Para a Pastoral do Migrante e a Pastoral Operária, por exemplo, o governo Lula capitulou, aderiu ao neoliberalismo e firmou compromisso com o capital e o mercado financeiro. Já o padre José Oscar Beozzo, coordenador do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (Cesep) de São Paulo, avaliou que, apesar da perplexidade com os fatos, as CEBs não vão ''entregar'' o partido que ajudaram a construir.

O jornalista Gilberto Maringoni, que integra a campanha da esquerda do PT no PED, concorda que a saída deve ser a última opção.

- O PT não é um partido de aluguel. Tem uma história orgânica com a sociedade. Não dá para descartar essa história sem uma hecatombe - afirma Maringoni, para quem a crise que se abateu sobre o PT não é exclusiva do partido - Há um custo embutido para que o sistema partidário brasileiro funcione. É uma rede que precisa ser consertada, e não apenas no PT.