Título: A presença da ausência
Autor: Ubiratan Iorio
Fonte: Jornal do Brasil, 01/08/2005, Outras Opiniões, p. A17

Em seus recentes pronunciamentos, nosso presidente parece confirmar o velho ensinamento do tempo dos nossos tataravôs, de que em boca fechada não entra mosca... Talvez aturdido pela crise moral que vem pondo a nu o seu governo e o seu partido - ou teria deixado de sê-lo? - e, também, mal aconselhado pelos súcubos que o cercam, aquele que recebeu 53 milhões de votos eivados de falsa esperança tem cometido pronunciamentos de uma infelicidade que beira as fronteiras da falta de compostura e que conspurca a liturgia e a ética exigidas pelo cargo que exerce. É a presença da ausência de modéstia, assustadoramente clara, a ponto de nos fazer recordar uma declaração do ex-pugilista Mohammed Ali, conhecido por seus diretos e cruzados, mas também por sua histriônica fanfarronice: ''Às vezes, eu tento ser modesto, mas, aí, começam a me faltar argumentos...'' Ou, se o leitor preferir, é a ausência da presença de humildade, o que nos remete ao velho Hermógenes, quando avisou que ''a humildade é a melhor defesa contra a humilhação''. Eis três exemplos do mundo do faz-de-conta em que parece imerso o presidente. A primeira é um acinte a quem dá valor ao estudo, desde os pais e mães que, tal como o presidente, não puderam freqüentar escolas na infância e juventude, mas que se esforçam, até a ultima gota de suor, para que seus filhos possam fazê-lo, até os alunos de todas as idades, cursos e graus, passando por professores, funcionários e a totalidade dos que se dedicam ao ensino, em todos os seus níveis. Refiro-me à falsa assertiva de que, ''para ser presidente da república, não é preciso ter curso superior''. É claro que é preciso, presidente! E os fatos estão aí para demonstrar que não se trata de preconceito (palavra ''politicamente correta'' e, por isso mesmo, quase sempre usada como mera senha mágica), mas, certamente, de conceito formado, firmado, comprovado e reafirmado pela análise factual. Uma afirmativa que macula a ética e que provocou risos de toda uma turma de alunos de um MBA da Fundação Getúlio Vargas e felizmente, porque, em caso contrário, poderiam ter abandonado a aula e trancado as suas matrículas, acreditando que não haveria necessidade de estudar mais.

A segunda nódoa à ética é o fato de atribuir a crise no seu governo à ação de uma ''elite'', tão nebulosa quanto indefinível, mas da qual, sem dúvida, qualquer presidente da República, com ou sem curso superior, faz parte, assim como a súcia formada por algumas figuras que ocupavam e, quiçá, ainda ocupam altos cargos na administração pública. ''Povo'' contra ''elite'', um falso confronto que cheira a Matusalém e que nem os socialistas mais inteligentes usam mais! Falso e perigoso maniqueísmo, que lembra Hugo Chávez, o colega que está tresandando a Venezuela, ao dividir a população. Um presidente, na atribuição de magistrado maior, deve unir, jamais desunir.

Por fim, há o lamentável fato de o presidente julgar-se acima de todos os brasileiros, ao afirmar peremptoriamente que não existe ninguém no país que o supere em termos éticos... Ora, qualquer catecúmeno aprende com a ''tia'' da paróquia que a modéstia é uma virtude e que a soberba é um vício! Ninguém tem o direito de fazer uma afirmativa dessas, desde o mais humilde operário ou agricultor até o chefe do Executivo, sob pena de cometer o pecado da soberba.

Sem humildade, presidente, não se chupa nem um picolé, como diria Nelson Rodrigues; sem ela, fica difícil reconhecer nossos erros e, portanto, corrigi-los; sua ausência só tende a comprometer mais ainda o seu governo, o que nenhum brasileiro, até mesmo 180 milhões de inferiores ao senhor em termos éticos, deseja.

Há tempo ainda, presidente, para refletir e mudar. Que tal, por exemplo, começar a praticar a modéstia declarando ao país que o deputado Roberto Jefferson mentiu, quando afirmou que teria avisado o senhor das bandalheiras de que o país depois tomou conhecimento?

Ubiratan Iorio (lettere@ubirataniorio.org), presidente do Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista (Cieep), escreve às segundas-feiras nesta página