Título: O jogo indecente em que os dois lados querem levar vantagem
Autor: Hugo Marques
Fonte: Jornal do Brasil, 31/07/2005, País, p. A2
Na vida real das campanhas políticas, o jogo é de sedução com propostas muitas vezes indecentes de ambos os lados. As cifras são milionárias. Desde que o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares resolveu, por conveniência, abrir o caixa 2 do maior partido do país e socializar a culpa pelo crime, o assunto doações para campanhas eleitorais transformou-se num mito. Um experiente administrador de finanças partidárias revela, no entanto, que a prática é antiga e que favorece às duas partes. Ao candidato, que identificou um doador potencial, interessa o montante que vai cair no caixa para bancar os gastos. O dinheiro é fundamental para eleger um candidato, conta esse profissional. Ao doador é conveniente que aquele político seja cada dia mais dependente de suas doações. Ele sabe que, mais adiante, determinadas políticas públicas podem ser adotadas para lhe favorecer. A não regularização do dinheiro doado, por sua vez, tem duas justificativas simples: o doador não precisa identificar a origem do dinheiro e fica livre de, mais tarde, ser perseguido por suspeitas de favorecimento. Ou seja, o melhor mesmo é não aparecer.
O plano de financiamento de campanhas majoritárias passa por um estudo cuidadoso, levando em conta que, a cada pleito, elas estão mais caras, com suas produções sofisticadas, especialmente na área de comunicação (contratação de marqueteiros, empresas de assessoria de imprensa, programas de rádio e televisão). Esse setor consome cerca de 70% do orçamento. O serviço de marketing e produção chega a custar R$ 40 milhões no oficial. Para pesquisas de intenção de voto e outras sondagens com o eleitor são destinados 15% do orçamento total. A locomoção do candidato abocanha outros 5%, quando ele não consegue um grande grupo econômico para proporcioná-lo a custo zero. O restante vai para custeio.
Esse profissional garante que o total declarado de uma grande campanha majoritária, é geralmente a metade do que realmente foi gasto. São os maus hábitos de uma campanha, classifica ele.
Mas nem todo doador clandestino tem interesses escusos. Muitos abrem seu caixa por pura vaidade. Em troca do dinheiro investido, pedem apenas abertura para demonstrar a influência em seu meio: quer ser recebido pelo político durante a campanha e depois de eleito. O jogo é de total cumplicidade entre a equipe financeira do candidato e o doador.
Nas campanhas proporcionais para deputado estadual e federal a troca de interesses acontece de outra forma. Os lobistas entram em ação para detectar entre os candidatos aquele que poderá defender seus interesses no legislativo. O lobby é mais forte nos setores de seguro e construção civil, por exemplo. Prova de que político é um bom investimento é o aumento de doações a cada eleição. Num levantamento feito em 2002 foi constatado que as doações para as campanhas subiram muito se comparado com o ano de 1998. Um bom exemplo foi o próprio PT. As arrecadações do partido pularam de R$ 12 milhões para R$ 92,8 milhões em 2002. Os valores desse levantamento são nominais e não levaram em conta a inflação de 76% no período de quatro anos. Para presidente da República, governadores, senadores e deputados federais, o total geral subiu de R$ 276 milhões para R$ 580 milhões, um aumento de 110%. O PSDB foi o líder de arrecadação, passando de R$ 105,8 milhões para R$ 147,8 milhões.
O levantamento concluído em 2003 mostrou ainda que a preferência do eleitorado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desde o início da campanha fez com que candidatos petistas pudessem se valer das cifras astronômicas. A arrecadação dos candidatos do PT ao Congresso subiu de R$ 6,1 milhões, em 1998, para R$ 25,3 milhões em 2002. Que o diga o deputado José Dirceu (SP): gastou R$ 600 mil, contra R$ 250,5 mil em 98.
O ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha (SP), que hoje tem de se explicar sobre o saque de sua mulher no Banco Rural, suspeito também de se valer do mensalão, fez uma campanha em 98 com R$ 80,1 mil, e em 2002 gastou R$ 270,7 mil. João Paulo Cunha sempre teve muito boa relação com Marcos Valério.