Título: Sonhos e pesadelos de Delcidio
Autor: Paulo de Tarso Lyra
Fonte: Jornal do Brasil, 31/07/2005, País, p. A4

O senador Delcidio Amaral (PT-MS) não queria estar no lugar que ocupa atualmente. Relutou em aceitar a indicação feita pela bancada governista para presidir a CPI dos Correios. Só foi convencido pelo próprio presidente Lula, que o chamou para uma conversa no Palácio do Planalto, horas antes da CPI decidir a disputa no voto. - Delcidio, pode investigar tudo até o fim, doa a quem doer - disse Lula.

O senador aceitou a missão. Não se arrepende, mas reconhece que a tarefa tem lhe tirado o sono. Dorme mal, cerca de quatro horas por noite, e, em vez de descansar, sonha com os depoimentos e embates políticos.

- Vou confessar: sonho com pessoas gritando no meu ouvido o tempo todo.

Nos momentos de crise, respira fundo e aproveita os sucos de maracujá servidos pelos garçons que atendem os integrantes da CPI. Já pensou em oferecer o calmante natural a colegas de Comissão, quando os confrontos políticos tornam-se mais intensos. Mas não foge da briga na hora em que precisa mostrar autoridade.

Quando os depoimentos dos ex-diretores dos Correios se alongavam e a oposição queria virar a noite para ouvi-los antes do pronunciamento de Roberto Jefferson (PTB-RJ), propôs um acordo de suspensão da sessão. O tempo fechou entre governistas e oposicionistas. Delcidio perdeu a paciência.

- Eles vão ver a minha capacidade de trabalho, nestas horas sou uma máquina. Querem virar a noite trabalhando? Vamos virar, não tem problema - bradou Delcidio.

O petista também demonstrou indignação na semana que passou, ao cobrar responsabilidade dos integrantes da Comissão. Classificou de absurdo o desaparecimento de documentos da sala secreta da CPI - ''felizmente tínhamos cópias, mas espero que isto não se repita''. Acredita ainda que as pessoas não podem extrapolar o clima de investigação.

- Precisamos apurar tudo, com rigor e a fundo. Mas não podemos transformar a CPI em palmatória do mundo - declarou.

Há 15 dias, o presidente da CPI se viu tendo que dar explicações. Um ex-colaborador de sua campanha, o antropólogo Roberto Costa Pinho, apareceu entre os beneficiários de recursos das contas de Marcos Valério. Delcidio imediamente divulgou nota declarando que Pinho havia trabalhado por apenas 45 dias em sua campanha para o Senado em 2002. Fez questão de frisar que, na época dos saques, Pinho estava trabalhando em Riberião Preto.

O presidente da CPI vê com preocupação algumas propostas impulsivas de correligionários e oposicionistas, que defendem devassas em fundos de pensão e em bancos que estão sendo investigados pela Comissão, como o Banco Rural.

- Sempre pondero que isso é complicado, temos que ter cautela com correntistas e investidores - alertou.

Delcidio cita um exemplo que aconteceu recentemente na própria Comissão. Um dos parlamentares chegou a anunciar saques de R$ 50 milhões na boca do caixa do Banco do Brasil (BB). O petista não gosta nem de lembrar e, pelo que relatou, nem a direção do BB. Verificou-se que houve uma movimentação financeira de recursos que passaram por contas do BB, algo bem diferente de saques em dinheiro.

- É preciso ter cuidado para não gerar uma crise maior do que a já existente - cobrou.

O petista, amante de jazz - capaz de citar expoentes do gênero e músicas famosas sem titubear -, também vem conseguindo, apesar dos percalços, manter o bom humor. Gosta de chamar os integrantes da CPI pelo nome, de forma pausada, para dar ênfase em determinadas declarações. Na última semana, provocou o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) por ser o preferido entre os homossexuais que assistem aos debates na CPI. Certa vez, interrompeu a senadora Heloisa Helena (PSol-AL) quando ela ia falar, tentando antecipar-se aos argumentos da alagoana.

- Presidente, o senhor pode até não me conceder a palavra. Mas não tente adivinhar os meus pensamentos - brincou Heloisa.

A deputada Denise Frossard (PPS-RJ) declarou que, até o momento, não tem nenhuma objeção à atuação de Delcidio como presidente da CPI dos Correios. Teme, contudo, que tanto ele quanto o relator Osmar Serraglio (PMDB-PR) acabem se contaminando com o clima de ''acordão para barrar as investigações'' que ameaça ganhar corpo no parlamento e na percepção das pessoas nas ruas.

- Se isto acontecer, não contem com meu apoio, contem com a minha denúncia - prometeu.

Apesar de ser da bancada de oposição, o deputado Antônio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) elogia os trabalhos de Delcidio, a condução dos depoimentos e a cautela na hora de definir os procedimentos de investigação. ACM Neto sabe que Delcidio está de olho na candidatura do governo de Mato Grosso do Sul. Por isso, não crê em ''pizza''.

- O Delcidio não vai deixar sua biografia manchada por uma investigação abafada - acredita o pefelista.

O petista José Eduardo Cardozo (PT-SP) também ressalta o bom humor de Delcidio durante as sessões da CPI. Nos momentos mais acalorados, o presidente da Comissão sempre solta uma piadinha ou uma frase para desanuviar o ambiente.

- O clima é naturalmente tenso, por causa da crise e da disputa política. Se ele fosse mal humorado, a CPI explodia e ficaria incontrolável - acrescentou Cardozo.