Título: Encruzilhada no deserto
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 02/08/2005, Internacional, p. A8

A morte, ontem, em Riad, do rei Fahd não deve representar um retrocesso político na Arábia Saudita. Mas seguramente joga o país, berço do islamismo e maior produtor e exportador mundial de petróleo, em um período decisivo de sua história. Depois de 20 anos no trono de Saud, o monarca de 84 anos, hospitalizado desde maio devido a uma embolia cerebral, cedeu lugar ao príncipe Abdulah Ben Abdel Aziz, de 82 anos, governante de fato desde que Fahd ficou incapacitado, em 1995. Ao mesmo tempo o ministro da Defesa, Sultan Ben Abdel Aziz, se tornou herdeiro.

Apesar das alianças com os Estados Unidos, nos últimos anos do reinado de Fahd a Arábia Saudita se distanciou, em alguns aspectos, da diplomacia americana. O novo rei - que ontem mesmo recebeu um telefonema do presidente George Bush - tem uma visão pan-arabista que seu irmão não possuia. Paradoxalmente, enquanto corteja Washington, o dono do trono também conversa com fundamentalistas islâmicos em função da linha wahabista que segue (uma linha tradicionalista).

A tímida abertura política no regime só saiu por pressão de Bush. O presidente, por sinal, chama o príncipe de ''meu amigo'' e o recebeu como hóspede do rancho de Crawford, Texas, honraria dada aos aliados próximos - em um desafio aos neoconservadores que alimentam uma campanha anti-saudita na América. Ontem, assim que a nomeação se confirmou, a Casa Branca ligou para Riad, reafirmando a intenção de ''olhar para adiante e continuar mantendo a parceria próxima entre os dois países''.

A primeira eleição municipal saudita em muitos anos, realizada em 2005, foi insuficiente para reduzir o espaço obtido pelo radicalismo alimentado pelas políticas dos EUA, o maior aliado do trono, no Oriente Médio. O apoio americano a Israel no conflito com os palestinos, e sobretudo a invasão do Iraque sem o aval das Nações Unidas são feridas abertas. Sob intensa pressão no mundo árabe, Abdulah foi forçado a expulsar os americanos da base que mantinham no país desde a guerra do Golfo, em 1991 - a presença desses ''infiéis'' em solo sagrado era considerada uma ''afronta'' para os fanáticos. Tais fatores também ajudaram a manter a força do discurso da rede terrorista Al Qaeda para recrutar militantes. No 11 de Setembro, 15 dos 19 seqüestradores-suicidas eram sauditas.

O rei também se preocupou em garantir o suprimento de petróleo mundial - 25% das reservas estão no subsolo saudita.

''O legado do rei Fahd, de prover o globo com um suprimento estável e seguro permanece'', prometeu a família real no comunicado oficial do falecimento.

- Riad por muito tempo negou que tivesse problema com o terrorismo - avalia James Phillips, analista de Oriente Médio da Heritage Faoundation. - E enquanto Osama Bin Laden matou americanos em vez de sauditas eles não se preocuparam - completou, reconhecendo que uma política contra o terror foi implementada, ''mas é insuficiente''. - Ainda há clérigos radicais que encorajam o extremismo. A família real agiu para restringi-los, mas não os silenciou - completa.

A explicação para o fato está na ideologia do Tafkir, que consiste em consiste em apontar como ''infiéis'' os muçulmanos de idéias diferentes, a fim de legitimar a violência contra eles. Esta é a base da onda terrorista.