Título: Morte de líder desestabiliza o país
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Fonte: Jornal do Brasil, 02/08/2005, Internacional, p. A9
Pelo menos 24 pessoas morreram em distúrbios ontem em Cartum, depois que o presidente do Sudão, Omar Hassan al Bashir, foi à televisão anunciar que o primeiro vice-presidente, o ex-líder rebelde John Garang, morreu em um acidente de helicóptero. Garang foi por 21 anos líder do Movimento de Libertação do Povo do Sul (MLPS) e se tornou figura-chave do acordo de paz, selado em janeiro, que colocou fim à mais longa guerra civil da África. Há menos de um mês, no dia 8 de julho, o ex-rebelde entrou para o governo.
Os manifestantes, que testemunhas afirmavam ser sulistas cristãos, atacaram árabes nas ruas da capital, saquearam lojas e incendiaram carros e uma distribuidora de combustível. Era possível ouvir em toda a cidade rajadas de metralhadora. A situação só foi controlada no fim da tarde, quando a polícia e o Exército tomaram as ruas após confrontos com os cristãos, que reclamam serem negligenciados por Cartum. Além do luto oficial de três dias, Al Bashir foi obrigado a decretar toque de recolher até esta manhã.
Segundo organizações humanitárias, também houve distúrbios em cidades do Sul, como Juba e Malakal.
Garang morreu na noite de sábado, na queda do helicóptero presidencial de Uganda, que viajava de Kampala (Uganda) para o Sudão. O ex-líder rebelde voltava de uma reunião com o presidente ugandense Yoweri Museveni. Outras seis pessoas que estavam no aparelho e a tripulação de sete técnicos também morreram. Segundo uma fonte de Campala, uma forte tempestade foi a causa do acidente, ocorrido nas montanhas perto da fronteira entre ambos os países. O enterro de Garang será em New Site, a base do MLPS.
- É chocante, é a perda de um líder visionário - comentou o general Lazarus Sumbeiywo, medidador-chefe dos diálogos de paz do Sudão.
Membros do MLPS prometeram que vão manter o cessar-fogo com o governo. Também o presidente Al Bashir garantiu na televisão que ''o acordo de paz vai se manter como planejado''. Mas para John Prendergast, conselheiro especial do International Crisis Group, a morte de Garang pode expor sérios ''cismas'' entre os próprios rebeldes sulistas.
- O MLPS tem um longo histórico de divisões e a não ser que consigam trabalhar rapidamente estas diferenças há um tumulto em potencial. Algumas pessoas em Cartum, como renegados e sabotadores que sempre se sentiram negligenciados, tentarão se aproveitar da situação - explicou.
Segundo Prendergast, o que ocorre é que Garang tinha uma posição muito centralizada e forte dentro do grupo político, que operava uma milícia.
- Muitas das propostas da negociação de paz eram dele - acrescentou.
O acordo foi assinado no Quênia, após anos de diálogo mediado por Sumbeiywo, general reformado do Exército queniano. Uma das cláusulas exigia que Garang fosse o primeiro vice-presidente do país. Agora, MLPS tem duas semanas para indicar sua nova autoridade no governo. Dentro do grupo, quem assumiu a liderança foi Salva Kiir Mayardit, que por muito tempo foi vice de Garang.
''Queremos garantir que a cúpula e os quadros do MLPS vão se manter unidos no esforço para a implementação completa do acordo de paz'', disse o novo líder, em comunicado.
É provável que Mayardit assuma os demais postos antes ocupados por Garang, como a vice-presidência nacional e a presidência interina do Sul do Sudão, por cinco meses. Analistas políticos se mostram um tanto preocupados. Garang sustentava que o Sul do país devia se manter politicamente unido ao Norte. Já Mayardit tem uma política mais seccional, que encontra respaldo principalmente entre a população austral.
Apesar do fim da guerra civil entre Sul e Norte, o Sudão enfrenta a pior crise civil da atualidade, na região de Darfur (Noroeste). O conflito começou em fevereiro de 2003, quando grupos rebeldes - o Movimento pela Justiça e Igualdade e o Movimento de Libertação do Sudão - se armaram contra Cartum, em protesto pela marginalização que sofriam e pelo controle dos recursos naturais. A mais violenta repressão veio da milícia Janjaweed, acusada de matar e estuprar moradores locais. Embora o governo sudanês negue ligações com o grupo, admite ter fornecido armas a alguns milicianos. Centenas de milhares de pessoas morreram e 2 milhões tiveram que se refugiar em países vizinhos.