Título: Dirceu na linha de fogo. Sozinho?
Autor: Milton Temer
Fonte: Jornal do Brasil, 02/08/2005, Outras Opiniões, p. A11

Meu caro José Dirceu,

Certamente me falta o talento de Elio Gaspari, para transformar cartas imaginárias em ensaios políticos.Já tinha, aliás, aprontado o artigo de hoje. Mas julguei insuficiente a relação distante do simples analista, diante das características particulares de nossa relação, pessoal ou política, para fazer considerações sobre a situação dramática que hoje você enfrentará. Disputamos duas vezes a presidência do Partido dos Trabalhadores, em Encontros Nacionais que considero memoráveis - o do Glória, no Rio, em 97, e o de Belo Horizonte, em 99 -, sem que daí resultem marcas profundas.

Tenho orgulho das campanhas que fiz. Representei aquilo que a parte limpa e comprometida com o bom combate no PT representava. Você era o que de melhor havia no chamado campo majoritário. Não só pela capacidade organizativa, como, e principalmente, pela história de tua vida de lutas. E confesso, misturando o tu com o você, que não sinto nenhuma sensação de forra pelos destinos que nos separaram. Pelo contrário; o quadro atual me entristece pelo muito que trouxe de frustração e desencanto para o povo brasileiro.

Tua condição é dramática. Os membros da direção partidária, que ontem te seguiam cegamente, hoje colocam reticências nas frases incompletas com que evitam ser contaminados pelas denúncias que te rondam. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva se move como se nada tivesse a ver com toda a movimentação em que você se empenhou, subordinado essencialmente aos interesses dele, naquilo que entendia como política de alianças - mas que muita gente vê hoje como aproximação espúria com péssimas companhias.

E está aí o novo ''companheiro'', Severino Cavalcanti, dando cartas e indicando ministros, para provar que não era você, por moto próprio, quem estabelecia os laços. Aliás. quem tem um mínimo de intimidade com os bastidores petistas sabe muito bem que nada se concretizava à revelia de Lula.

Você vai estar, hoje, em difícil situação. Vai ser recebido na condição de testemunha, com todos os ônus, daí resultantes, principalmente o de não poder se contradizer. Mas sabe que será ouvido como réu, investigado, sem nenhuma proteção constitucionalmente concedida aos acusados diretos.

Segundo o anunciado, terá Roberto Jefferson na fila do gargarejo. O tomaso-buscheta brasileiro sabe que só pode manter a aura de herói, concedida até por alguns prestigiados apresentadores de televisão, se te humilhar. E só tem dois caminhos para isso: revelando detalhes de conversas não divulgadas - como a que Aldo Rebelo acompanhava, no dia seguinte ao discurso da Câmara em que se manifestou pela primeira vez - , ou fazendo você ''amarelar'', numa reprise do que impôs a membro da CPI a quem esteve associado em recentes campanhas eleitorais.

Só não ocorrerá a segunda hipótese se você não se prender a puros recursos jurídicos, e recuperar sua origem política. Recuperar os princípios que jogou para escanteio quando assumiu a elaboração das teorias pragmáticas que transformaram Luiz Inácio em quindim dos banqueiros de Wall Street, e de seus parceiros tupiniquins.

Para tanto, há que aproveitar a ocasião, ousando. Fazendo uma autocrítica que revele as razões profundas das ofensas à democracia interna que ajudou a executar. Deixando claro que as intervenções brutais contra a esquerda petista no Rio não foram acidentes de percurso. Que sabotar Chico Alencar na quase vitoriosa campanha de 96 à prefeitura do Rio, ou intervir contra a decisão democrática que definiu a candidatura de Wladimir Palmeira ao governo fluminense, em 98, foram atos deliberados de uma estratégia pré-definida. Uma estratégia confirmada na expulsão covarde e ilegal de Heloisa Helena, Luciana Genro, Babá e João Fontes, pelo ''crime''de se manterem fiéis ao programa, ao tempo em que a direção chafurdava na traição. Uma estratégia pautada pela entrega das rédeas do governo aos adversários que o PT sempre combateu.

Você terá que se desculpar também pelos assessores que nomeou para a Casa Civil. Não por Delubio que todos sabem sempre ter sido da estreita confiança de Lula. Mas de Waldomiro Diniz você não pode escapar. Você sabia quem ele era.

Não tenho dúvidas, Dirceu. Com tal atitude você faria a verdade vir à tona. E sairia do Conselho de cabeça erguida diante do povo brasileiro.