Título: Fósseis revelam evolução de doenças
Autor: Claudia Bojunga
Fonte: Jornal do Brasil, 02/08/2005, Saúde & Ciência, p. A12

A tuberculose e o mal de Chagas - doenças que representam um problema mundial - são mais antigas na humanidade do acreditavam as teorias originais da paleopatologia (ciência que estuda males na antiguidade). Um estudo do Centro de Pesquisa em Bioarqueologia, da Universidade Estadual do Arizona (EUA), mostra que a tuberculose não atingiu a população indígena pela primeira vez através do homem branco. Tradicionalmente se pensava que a transmissão do mal a esses povos teria ocorrido durante a colonização espanhola e portuguesa no século XV.

O estudo analisou fósseis do continente americano, entre eles alguns do Paraguai, por exemplo, que apresentaram lesões ósseas típicas da enfermidade.

Outra revelação é que a forma da doença observada no estudo é diferente da que existia na Europa.

- Quando a colonização se estabeleceu, os índios morreram no contato com a doença porque era uma forma nova, outra cepa da bactéria - comenta a paleopatologista Sheila Mendonça, da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz.

- Ainda hoje é uma das infecções mais comuns, causando mais de 5 mil mortes diariamente. Estimativas indicam que se tornará uma das cinco principais causas de morte até 2020. Entretanto, a história evolutiva da tuberculose permanece obscura - afirmou ao JB a coordenadora do trabalho, a americana Jane Buikstra. A pesquisa foi apresentada no I Encontro da Associação de Paleopatologia da América do Sul, no Rio, na semana passada.

- Estamos agora pesquisando a relação entre a tuberculose do Novo e do Velho Mundo - revelou Buikstra.

O mal de Chagas - que, em março, causou a morte de seis pessoas em Santa Catarina -, por sua vez, ataca o homem antes da existência das casas de pau-a-pique, da época da colonização. Circulava entre humanos quando ainda habitavam cavernas sob rochas ou abrigos.

Através da análise de múmias brasileiras de 1.200 anos de idade, foi possível constatar casos pré-históricos do mal de Chagas. Foi retirado o material genético (DNA) do protozoárioTripanossoma Cruzi de músculos desses indivíduos fossilizados.

- Por causa da doença, essas pessoas sofriam de megacólon, uma constipação intestinal muito prolongada. O intestino inteiro ficava ocupado por massas fecais imensas. - explica o paleoparasitologista Adauto Araújo, membro da equipe da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz. - A barriga devia ficar parecendo com uma de grávida - acrescenta.

- Acreditamos que a doença é tão antiga quanto a presença do homem na América - afirma o cientista.

A convivência desses povos com animais aproximou o barbeiro - inseto transmissor do protozoário - do homem. Como não se conhecia o mal, os indivíduos não eram tratados. A doença acabou se espalhando e até hoje não tem cura. Atualmente, afeta 20 milhões de pessoas, a maioria na América Latina. Apenas no Brasil, são seis milhões de casos e 33 mil mortes por ano.

Também fez parte do evento a inauguração, na quarta-feira, da exposição Ossos antigos e Paleopatologia: os achados em Lagoa Santa, que mostra o desgate nos ossos dos primeiros habitantes das Américas. O destaque é o fóssil de Luzia, considerado o mais antigo das Américas, com 11 mil anos.