Título: Do amor de mãe ao desprezo popular
Autor: Nelson Carlos de Souza
Fonte: Jornal do Brasil, 03/08/2005, País, p. A7

Apesar da distância familiar que a política tratou de promover, Olga Guedes da Silva acordou ontem apreensiva com o destino do filho, o ex-ministro José Dirceu. Mesmo acostumada à vida turbulenta do hoje deputado, a professora aposentada, de 86 anos, sabia dos riscos do dia, marcado pelo depoimento de Dirceu no Conselho de Ética da Câmara. Razão suficiente para uma oração especial. Primeira a levantar da cama na rua Arlindo Luz, centro do município de Passa Quatro, na Serra da Mantiqueira, sul de Minas Gerais, Olga logo cedo trancou-se no quarto e rezou para Nossa Senhora Aparecida e São Sebastião, seus santos de devoção celebrados todos os domingos na igreja matriz da cidade. Pediu proteção para o filho. No banho de sol na varanda da casa, percebeu a chegada do Jornal do Brasil. Recolheu-se ao silêncio. Coube à empregada doméstica, Rita, informar que a mãe de Dirceu estava muito emocionada, tocada pelas histórias envolvendo o filho. O próprio deputado sugeriu-lhe evitar jornalistas.

Uma vizinha confirmou o sofrimento pela ligação de Dirceu com denúncias de corrupção:

- É uma pessoa muito boa e não merece mais sofrimento - pondera a dona de casa Sandra Mota, 50 anos. - Já basta os anos de dor que ela passou, com a prisão, o exílio e o sumiço de Dirceu.

A proteção espiritual de Olga, no entanto, não parece ser compartilhada por muitos na pequena cidade de 16 mil habitantes. Afastado há vários anos de Passa Quatro, onde nasceu, e aparecendo apenas para visitas à mãe, cada vez mais curtas e esporádicas, José Dirceu foi hostilizado por um grupo de jovens no último sábado. Ao tentar sacar dinheiro num caixa eletrônico do Banco Itaú, numa rua próximo à casa da mãe, o ex-ministro foi chamado de ladrão por cerca de 30 pessoas que bebiam e comiam em restaurantes da região. ''Cadê o mensalão?'' foi um das frases ouvidas por Dirceu. Outra: ''Não envergonha o nosso povo humilde de Passa Quatro''. O gesto deixou o deputado sem graça. Acabou deixando o lugar sem sacar o dinheiro.

O eco da decepção está presente na lembrança de quem já foi próximo do ex-ministro. Caso do ex-guarda civil de São Paulo Antônio Nunes Neto, 66 anos, o primeiro a ver Dirceu na carceragem do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e avisar à família da prisão do parlamentar. Antônio Nunes contou que, na época, foi obrigado a pedir demissão da política. A memória mais negativa, porém, passa longe do prejuízo no trabalho:

- Nunca entendi porque depois de retornar ao Brasil do exílio e se eleger deputado, o Dirceu se afastou da família. Ouvi muita lamentação do Castorino (pai do ex-ministro) antes de morrer. Até hoje a Olga mora de casa alugada e agora aparecem essas denúncias em que ele aparece envolvido com um monte de dinheiro - afirma o ex-guarda civil, que diz desejar a apuração ''a fundo'' das denúncias.

O vendedor de frutas Jairo de Oliveira Costa, 38 anos, se diz decepcionado com Dirceu e com o Partido dos Trabalhadores:

- Nunca o conheci, mas minha família conhece a família dele. Passa Quatro é uma cidade pequena. Trabalho vendendo frutas de sol a sol, sou um homem honesto e me sinto envergonhado com a atitude destes políticos. Nunca mais vou votar no PT.

A decepção pessoal de alguns dos moradores de Passa Quatro é sustentada por um dado político: apesar do apoio de Dirceu, que chegou a gravar um clipe com candidatos locais nas últimas eleições municipais, o PT nunca elegeu um prefeito na cidade. Nem vaga na Câmara de Vereadores o partido conseguiu. Obteve parcos 300 votos, de um universo de cerca de oito mil eleitores.

Uma piada irônica ronda hoje o município. Diz-se ali que Passa Quatro é a segunda cidade mais clara do mundo, perdendo apenas para uma região da Suíça. A razão: os minérios das montanhas que cercam o município. Para o comerciante José Oliveira Silva, 40 anos, o ex-ministro José Dirceu e demais petistas envolvidos em denúncias deveriam mirar-se no fenômeno. Apostar na clareza que faz a ''fama'' da cidade é a sugestão dos concidadãos do deputado para convencer o país da própria inocência.