Título: Rumo à verdade
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 03/08/2005, Opinião, p. A16

No confronto de ontem no Conselho de Ética da Câmara, um politicamente enfraquecido José Dirceu e um malicioso e pouco confiável Roberto Jefferson - vértices da mais ruidosa série de denúncias de corrupção reveladas nos últimos anos - descortinaram a vasta trilha de contradições, interrogações não respondidas, atos suspeitíssimos obscuros e somas vultosas movimentadas sem explicação evidente. Encerrado, portanto, o depoimento do ex-chefe da Casa Civil e repetido o tiroteio promovido pela ponta do cano verbal de Jefferson, o Brasil pôde deparar-se com um amplo espectro de incertezas sobre as denúncias que têm enxovalhado a imagem do PT, arrefecido a confiança no governo e descredenciado o sistema político-partidário brasileiro. Credite-se a José Dirceu o mérito da palavra de que não renunciará ao mandato - estratégia habitualmente seguida pelos parlamentares situados no limite da punição. No depoimento de ontem, o ex-ministro negou saber da existência do mensalão - a odiosa propina distribuída a parlamentares que votassem matérias de interesse do Palácio do Planalto. Também defendeu o governo Lula - que, segundo Dirceu, ''não rouba e não deixa roubar''. No primeiro aparte do dia, o antes amigo e hoje inimigo Roberto Jefferson chamou-o de ''inocente humilde'': o então homem mais forte da República ironizou o petebista, desconhecia os milhões de reais que uniam os políticos às empresas de Marcos Valério de Souza, tampouco fora avisado das descobertas e investigações da Polícia Federal, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

A despeito da nova denúncia posta à mesa por Jefferson (a articulação, por Dirceu, de um acordo que permitisse ao PT e ao PTB dinheiro para sanear suas finanças), o confronto dos dois deixa um saldo perturbador para o país: parece quase impossível hoje saber quem diz a verdade. Trata-se de uma constatação decorrente não apenas da troca de acusações entre ambos e das afirmações mútuas de que estão mentindo. O mais grave é que os depoimentos são profundamente contraditórios e inflacionam o mercado das divergências. Dirceu negou que tivesse conversado ''várias vezes'' com Jefferson sobre o mensalão; negou participação em reunião na qual o presidente Lula teria sido informado sobre a mesada; negou nomeações políticas nos Correios e envolvimento nos desvios de Furnas; negou que um assessor informal tenha sido autorizado a fazer saque numa conta de Marcos Valério.

Da soma de tais negativas, Dirceu sai menor, Jefferson reafirma a incerteza sobre a confiabilidade do que denuncia e o país segue à espera de que as CPIs em curso no Congresso e as investigações do Ministério Público e da Polícia Federam possam radiografar, em definitivo, os crimes que atualmente obscurecem a República. As evidências estimulam a baixa confiança popular e alimentam a indiferença dos cidadãos com a política. Partidos, governo e oposição têm a missão de lancetar os tumores expostos da corrupção. A contradição dos depoimentos não pode servir de limitação aos acusadores, nem de consolo aos acusados. Ao contrário, constitui mais um eloqüente motivo para radicalizar os trabalhos de investigação a fim de encontrar, enfim, o caminho da verdade. É o que o Brasil honesto deseja.