Título: Recordações recifenses
Autor: João Bernardo Caldeira
Fonte: Jornal do Brasil, 03/08/2005, Caderno B, p. B1

Naná Vasconcelos está feliz da vida com o lançamento do disco do irmão, e também com seu novo trabalho, Chegada, o primeiro desde Minha lôa (2002), que flertava com a música eletrônica. Álbuns bem distintos, segundo o percussionista: - É a primeira vez que consigo fazer disco no Brasil com os músicos que queria. Em Minha lôa não havia uma banda e cada faixa tinha uma estrutura. Agora pude explorar a individualidade dos músicos.

Chegada foi gravado pelo quarteto formado por César Michiles (flautas e saxes), Lui Coimbra (cello, charango e violão), Chiquinho Chagas (piano e acordeão) e Lucas dos Prazeres (percussão). Trata-se de mais um capítulo na história de Naná, que lançou discos com Egberto Gismonti, tocou com nomes como Pat Metheny, B.B. King e Paul Simon e fez trilhas de filmes como Down by law, do americano Jim Jarmusch, e o nacional Quase dois irmãos, o mais recente de Lúcia Murat.

Depois de praticamente 40 anos de carreira, Naná conseguiu o prestígio necessário para impor sua sonoridade singular:

- Nunca quis ser músico de estúdio, porque buscava um trabalho individual. É difícil mostrar um conceito de percussão que não seja o de quem toca mais alto ou mais rápido. Essas barreiras foram sendo quebradas, porque percussão não é batucada nem serve só para fazer ritmo.

Erasto já ouviu o novo disco do irmão, e gostou do resultado:

- Ele manda todos os seus discos, e depois a gente fala sobre eles. Naná é uma pessoa muito carinhosa comigo, tem muita atenção.

Um dos lugares em que põem os assuntos em dia é o velho barbeiro da infância, em Sítio Novo:

- Sair de casa, para mim, é um problema. Faço muita música... Mas de vez em quando nos encontramos para cortar o cabelo, aquela coisa de quando éramos garotos, e para conversar - comenta Erasto.

Naná já havia gravado músicas do irmão, como Forró das meninas e Cantei oba, e também parcerias dos dois, como Noite das estrelas, Mamãe cadê baleia e Estrela brilhante. O músico acha engraçado quando se lembra da chegada de Erasto em Nova York, no fim dos anos 60. Naná não sabia que o irmão tinha se enveredado pela música, formando bandas no Rio de Janeiro, quando recebeu a inesperada visita:

- Erasto não me avisou nada. Eu tinha ido viajar e, quando cheguei, ele estava na casa de um vizinho do meu endereço antigo. Chegou com a esposa grávida e tudo!

O irmão também se recorda:

- Eu tinha a necessidade orgânica de conhecer Nova York. Quando ele chegou de viagem, fui ver o show do disco Dança das cabeças, que Naná fez com o Egberto Gismonti. Sentei ao lado do (pianista americano de jazz) Bill Evans e ainda fui apresentado a ele depois!

Erasto chegou a realizar algumas apresentações em solo americano, e tudo parecia ir bem. Mas logo veio a decepção: uma turnê pelo Brasil foi cancelada e Erasto teve um colapso nervoso. Para Naná, o episódio é emblemático para mostrar as dificuldades e desgostos por que passam muitos músicos, que precisam de energia e fé redobradas para vencer tantos desafios:

- É muito sofrimento e falta de reconhecimento. Erasto é um poeta, um performer, e se abalou. Eu vivi isso no Brasil. Lá fora fazia sucesso, mas pensava: ''Puxa, meu país não conhece meu trabalho porque não mexo com palavra, que é muito importante para os brasileiros''. Se tivesse ficado aqui, talvez tivesse passado a vida acompanhando cantores e nunca conseguisse fazer meu trabalho como solista.