Título: Estômago de Aço e o mensalão
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 05/08/2005, Outras Opiniões, p. A11

Quando viajei ao Amapá, na última semana, deu-me uma inesperada, inóspita e insidiosa dor de estômago. Doía danadamente. Na minha idade convivemos com muitos achaques que nos são, quase sempre, conhecidos e freqüentes. É dor aqui, mal estar acolá e a todos conhecemos e já sabemos como proceder: chá de laranja, tintura de arnica, pomada de cânfora e por aí vamos. Mas dor de estômago do jeito que veio não estava entre minhas baldas. Daí, com o meu declarado e sempre não proclamado ser hipocondríaco, fiquei logo calado e pensando o que poderia ser. Há muito, nada sentia nesse órgão. Quando era moço, em São Luís, tinha um restaurante ''Estômago de Aço'', que era a prova de fogo para males da gula. Mas, o estômago mais forte que existiu no Maranhão foi de um deputado acusado de ter feito uma negociata com arame farpado vindo da antiga Cortina de Ferro. Os jornais diziam ''fulano está comendo arame farpado como quem come macarrão''.

Bem, mas estava falando na minha dor. Consultei um médico e aventamos a hipóteses de úlcera de stress, a que acrescentei, nessa obsessão de doença, ''em sangramento''. Foi-me recomendado, imediatamente, uma endoscopia. E só não sai do avião para o hospital porque ainda não tinha combinado com o médico. Mas não demorou e eu estava lá, atemorizado e querendo levantar diagnóstico com o meu ''caro colega'', Aluísio Campos da Paz, a quem o Brasil muito deve pelo extraordinário trabalho feito na construção da Rede Sarah de reabilitação ortopédica.

Na radiologia, o anestesista começou a fazer perguntas sobre medicamentos que tomava, a quantas horas não ingeria alimentos, sintomas e tudo mais. Quando eu vi o rumo que iam tomando as coisas, de olhos esbugalhados perguntei: ''Que anestesia o Senhor vai me dar para o exame?'' Ele tranqüilamente respondeu-me: ''Geral.'' ''O quê? Anestesia geral? Eu fiz esse exame outras vezes e não quis tomar nada. Enfrentei a seco.'' Respondeu-me ele: ''Era no passado, hoje temos medicamentos sem nenhum risco e não queremos que o senhor sinta desconforto.'' Depois de breve negociação ele aceitou, e eu também, sedar-me.

Acordei e não senti nada e apenas tomei conhecimento do mundo quando a instrumentadora devolveu meus óculos. Depois, na rotina, a sala de recuperação. ''Não encontramos nada de mais, tiramos algumas amostras para biópsia e vamos também pesquisar a presença de Helicobacter pylori.'' Foi o que bastou para prolongar minha angústia e passei o resto da tarde remoendo meus receios e dormindo do resto da anestesia.

Passei o dia portanto sem trabalhar e a noite ainda cheio de indagações. O estômago não doía mais e a gente de casa voltava a censurar-me ''dessa mania de fazer exames''. É verdade. Chego ao exagero. Certa vez, estava fazendo um check-up num hospital de São Paulo e esperava na porta do quarto a vinda do pessoal para o próximo exame. Foi quando passou um médico. Eu perguntei-lhe: ''qual é sua especialidade?'' Respondeu: ''Dermatologista.'' ''Então'' - disse-lhe eu - ''entre aqui e veja este sinal que eu tenho no braço.'' Assim é demais.

Para jantar pedi a nossa empregada, a Maria, que há tantos anos vive conosco, pessoa da casa: ''Faça-me uma papa, comida leve. Estou com dor no estômago.'' ''O que é?'' ''Não sei.'' Então, ela deu-me o diagnóstico mais preciso: ''Não é essa situação que está no Congresso? Não há estômago que agüente.''

E continuo cada vez mais com náuseas e dor no estômago como o Brasil inteiro.

José Sarney escreve às sextas-feiras no JB