Título: Pessimismo toma conta de japoneses
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Fonte: Jornal do Brasil, 05/08/2005, Internacional, p. A12

Amanhã, quando os sinos tocarem em Hiroshima, marcando os 60 anos da explosão da bomba atômica lançada pelos Estados Unidos sobre a cidade, muitos japoneses estarão mais preocupados do que nos aniversários anteriores da tragédia. A lembrança do ataque, que matou na hora 140 mil dos 350 mil moradores - a maioria, civis - se mistura agora ao temor de que a possibilidade de uma repetição vire realidade, em um cenário marcado pelo terrorismo. A lista de vítimas da Little Boy , - como a bomba lançada pelo bombardeiro B-29 Enola Gay era chamada - cresceu com os que morreram nos dias, meses e anos seguintes, por ferimentos, queimaduras e exposição à radiação. Três dias depois, foi a vez de Nagasaki sofrer ataque igual. Saldo: 130 mil mortos.

Uma dessas pessoas é Sunao Tsuboi, de 80 anos. Morador de Hiroshima, a cidade-monumento contra o horror nuclear, e sobrevivente da bomba, Tsuboi acredita que o Japão esteja seguindo de novo a trilha do militarismo. Ontem, um ato pedindo o fim das armas nucleares levou centenas de pessoas a um protesto no Centro.

- O que ouço e vejo me assusta - diz ele, que estava na universidade, a 1 km do epicentro, quando houve a terrível detonação, na manhã de 6 de agosto de 1945. A onda de choque o jogou a 10 metros de distância e o calor intenso provocou queimaduras na maior parte do corpo. - Tenho uma sensação forte de que o Japão esteja trilhando uma estrada pela qual passamos antes da bomba - completou.

O desabafo se baseia na proposta do partido governamental de alterar o perfil das forças armadas, cuja finalidade é apenas a autodefesa, para uma força ''capaz de auxiliar outros países no combate ao terrorismo no mundo''. O primeiro-ministro Junichiro Koizumi - que mandou tropas para o Iraque - fez visita anual ao templo Yasukuni, em Tóquio, de homenagem aos mortos na guerra. Críticos como Tsuboi dizem que o local evoca o militarismo do Império do Sol Nascente. Soma-se a essa acusação de revisão histórica o lançamento de livros escolares escritos por nacionalistas.

Propostas apresentadas para uma nova Constituição pelo Partido Democrata Liberal de Koizumi alteram significativamente o perfil pacifista do texto de 1945. O Artigo 9 da lei é o mais importante, por afirmar explicitamente que o ''Japão deve renunciar a manter uma máquina militar para travar guerras''. Os políticos o interpretavam como uma licença de manutenção da Força de Defesa, hoje com 240 mil homens.

- Precisamos salvar esse termo. Pode ser idealismo, mas é algo em que o mundo deveria nos ajudar - avalia Tsuboi, que preside uma associação de vítimas.

A luta é árdua. Assustada com a ameaça representada pelos mísseis da Coréia do Norte - que já tem arsenal atômico -, a opinião pública japonesa está abandonando a oposição à revisão. Hoje, quase metade da população aprovaria a alteração. Até os políticos já quebraram um tabu e falam abertamente sobre o país ter arsenal nuclear. Além disso, o pacifismo só resiste com força em Hiroshima e Nagasaki, onde o 1,2 milhão de habitantes têm uma forte relação com as vítimas da bomba atômica e os horrores dela decorrentes. Na capital, Tóquio, tornou-se assunto ''ultrapassado''.

- Temos um forte desejo de paz - afirma, em Hiroshima, a estudante Haruka Daimyoji, de 17 anos - E, se os militares saírem do controle, nós os impediremos - avaliou, com discurso comum aos jovens da cidade, que têm aulas sobre paz para evitar a utilização de novas armas nucleares.

A campanha não está só no Japão. Ontem, o presidente da Conferência Episcopal dos EUA, bispo William Skylstad, disse em carta ao colegiado japonês ''que, como o terrorismo de hoje, o lançamento das bombas sobre Hiroshima e Nagasaki foi um ato injustificável por não discriminar combatentes de não-combatentes''.

''Nos nossos dias, a ameaça da guerra nuclear foi substituída pelo terrorismo nuclear. Ataques terroristas contra civis inocentes são um crime contra Deus e a Humanidade porque não fazem essa mesma distinção'', disse.

Para muitos estudantes do país, conhecer as únicas cidades do mundo a sofrerem ataque nuclear é uma poderosa lição. Mas não leva ao pacifismo e sim a um debate cheio de ódio sobre o papel do país na II Guerra. Há alguns dias, um jovem de 27 anos quebrou e apagou uma lápide do memorial em Hiroshima onde estavam os seguintes dizeres:

''Deixemos todas as almas aqui descansarem em paz, para que esse erro nunca se repita''.

Antes de ser preso, o rapaz gritou que ''o Japão não tinha nada a se desculpar pela guerra''. Como muitos, acreditava que os momentos cruciais não foram as invasões aos países vizinhos, mas a retaliação atômica. Tal postura irrita a China e Coréia do Sul, para quem Tóquio deveria assumir seu papel de ''agressor''.