Título: Sociedade discute saída para a crise
Autor: Ana Carolina Gitahy, Bruno Arruda, Paula Barcelos
Fonte: Jornal do Brasil, 07/08/2005, País, p. A2

Mergulhado há quase três meses numa crise que pode ser a maior de sua história ¿com denúncias envolvendo uma centena de parlamentares ¿ o Congresso começa agora a discutir saídas para derrotá-la e evitar que novas intempéries aconteçam. Ganhou apoio de juristas e representantes de movimentos sociais e de entidades de classe, que se mobilizam para apresentar alternativas. Se a necessidade de promover uma reforma política é consenso, também já se tornou unanimidade que o Legislativo atual tem pouca credibilidade para fazê-la, como admite o senador Jefferson Pérez (PDT-AM):

¿ Falta legitimidade no Congresso de hoje para fazer uma reforma profunda. Sairia ao sabor das circunstâncias.

A alternativa que começa a ganhar corpo no Parlamento é a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte para promover mudanças na estrutura política e administrativa do país. Apresentada em 1997 pelo deputado Miro Teixeira (PT-RJ), a proposta acaba de ser atualizada e está pronta para ser protocolada na próxima semana. O deputado Alberto Goldman (PSDB-SP) também ensaia um projeto nesse sentido e já começou a recolher assinaturas de apoio. Na mesma linha, uma reunião foi marcada para semana que vem com o objetivo de debater o assunto. Vários parlamentares antigos na Casa estão envolvidos na discussão.

¿ Apesar de jovem, a Constituição brasileira, de 1988, já recebeu mais de 700 propostas de emendas. Vem sendo freqüentemente remendada. Sarney, logo após promulgá-la, alertou que o país se tornaria ingovernável em alguns anos. Precisamos repensar o pacto federativo, o sistema administrativo e a gestão fiscal ¿ sugere Miro.

Desiludida com as instituições, setores da sociedade brasileira já dão apoio público à proposta. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, foi ainda mais revolucionário: sugeriu a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte exclusiva ¿ ou seja, convocada apenas para discutir a reforma da Carta, seus integrantes não teriam mandato parlamentar ¿, fato que nunca aconteceu no Brasil.

¿ A Constituição é bastante prolixa, extensa. Tem excesso de emendas. Precisamos reformá-la ¿ disse Busato, em entrevista a um programa de televisão.

O presidente do Superior Tribunal de Justiça, Edson Vidigal, ressalta que este é o momento para convocar uma assembléia. A importância da medida, diz, reside em seu efeito duradouro:

¿ O Brasil não pode ser um país movido a escândalos. Temos de pensar em saídas duradouras. Senão, medidas, como a reforma política, não passarão de meros esparadrapos para estancar uma grande ferida. É o momento de se começar a agir preventivamente.

Pela proposta de Miro, a assembléia seria congressual, ou seja, os deputados e senadores eleitos em 2006 seriam também constituintes. Junto com a eleição, haveria um plebiscito onde a população responderia se deseja dar poder constituinte ao novo Congresso. Mas o deputado sugere restringir os poderes dessa Constituinte. Aos parlamentares caberia reformular as seções relativas a impostos, responsabilidades específicas dos Municípios, Estados e da União e da organização do serviço público. Especificamente, os artigos 21 a 24, 30, 37 e seu inciso II, 145 a 162 e conexos.

A principal vantagem da assembléia, ressalta Miro, é que as discussões aconteceriam num mesmo ambiente por deputados e senadores, evitando assim o ¿pingue-pongue¿ das votações em duas Casas.

Falhas e ambigüidades das Constituição, muitas dessas provocadas pelo excesso de emendas, têm dado ao Supremo Tribunal Federal o poder de legislador, e não apenas de guardião da Carta. Através de jurisprudências, o Judiciário tem tentado corrigir falhas da Constituição. Na avaliação de um representante da OAB, isso pode vir a gerar um ambiente de insegurança institucional.

No Congresso, a proposta já recebeu apoio de parlamentares governistas e de oposição. Muitos, entretanto, evitam falar abertamente por temer que o projeto possa ser encarado como oportunista ou golpista. Alguns avaliam que a proposta só se justificaria se tivesse havido a quebra da ordem institucional, como ocorreu com a ditadura. Outros, entretanto, falam abertamente do projeto, como os senadores Pedro Simon (PMDB-RS) e Jeferson Pérez:

¿ A idéia vem sendo debatida há mais de um ano, bem antes da crise, mas esquentou agora. Precisamos debater o formato: se seria congressual ou exclusiva ¿ afirmou Simon.

O coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile, considera, entretanto, precipitada a adoção de uma Assembléia Constituinte:

¿ A convocação de uma nova Assembléia Constituinte poderia ser uma medida de médio prazo, em outro contexto histórico, em que a população estivesse mobilizada. Fazê-la agora seria apenas dar mais legitimidade aos setores conservadores que controlam os meios de comunicação, os partidos e o parlamento ¿ ataca.

Se não há unanimidade quanto às alternativas para sair da crise, a necessidade do aprofundamento das investigações é voz comum. Para os líderes de movimentos sociais, a apuração é o ponto de mudança neste processo. A coordenadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns, vê um lado positivo na crise política.

¿ Foi muito bom ter aparecido essa corrupção toda, porque este é um momento de purificação do país. Vemos que para alcançar o poder não houve uma análise ética dos meios usados, e talvez não seja a primeira vez que isso ocorre ¿ acredita Zilda.

Os próprios parlamentares reconhecem que há uma crise generalizada de falta de confiança no Legislativo.

¿ Os jovens falam que estão perdendo o direito de ter esperança ¿ desabafou Simon.

Para Jeferson Pérez, o povo não se sente mais representado pelos políticos atuais:

¿ Hoje o eleitor não se sente mais representado, não acredita nos representantes, acha que o regime democrático é corrompido por natureza. Isso é muito ruim. Só o comportamento dos políticos pode mudar isso. A começar pelo expurgo de agora.

Para o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio, a crise atual afeta diretamente a crença do povo no regime democrático. E o efeito, na análise do parlamentar, só pode ser revertido com a apuração dos fatos e a punição dos culpados.

¿ Muita gente passa a imaginar que todos os políticos e governantes são iguais, são corruptos. Mistura joio com trigo. Não vê que a grande maioria dos parlamentares não está incluída nesses mensalões ou que nome tenham ¿ afirmou.