Título: Lula na primeira pessoa
Autor: Josie Jeronimo
Fonte: Jornal do Brasil, 07/08/2005, País, p. A7

O presidente Lula tem abusado da primeira pessoa do singular. Nos 24 eventos públicos que participou nos últimos 15 dias, ele não se cansa de repetir que nunca, na história do país, houve um governo melhor e que sua conduta moral é inabalável. O presidente se comparou a Getúlio Vargas reclamando da perseguição das elites. O cientista político Nelson Rojas Carvalho considera o uso da história pessoal uma estratégia de Lula para desvincular-se do partido e do governo. Carvalho analisa que quando o presidente reafirma seus valores morais blinda sua imagem contra acusações de desvios éticos, porque o eleitorado vê uma contradição entre as acusações e a pessoa de Lula.

¿ O ¿eu¿ de Lula, o carisma, é seu capital político e dispensa o partido envolvido em escândalos e o governo fraco. E os programas sociais abrem espaço para um Lula populista.

Segundo o psicanalista Luiz Alberto Py, o ¿eu¿ de Lula é a imagem que ele faz de sua biografia política. O presidente chama para si todos os feitos políticos, porque considera suas vitórias pessoais como um referencial de conduta aplicável a realidade política do país. Quando Lula evoca seu ¿eu¿ cria um canal de reconhecimento com o eleitorado.

¿ Colocar-se além do bem e do mal é uma visão um tanto quanto megalomaníaca. O presidente está tentando criar um vínculo do tipo: vote em mim porque ¿eu¿ sou você.

Em Guaranhuns (PE), sua terra natal, Lula afirmou que foi eleito por méritos próprios:

¿ Eu não devo a minha eleição a favor de ninguém. Com ódio ou sem ódio, eles vão ter que me engolir outra vez porque o povo vai querer.

Na opinião de Renato Lessa, professor do Instituto Universitário de Pesquisa do Rio de Janeiro (Iuperj), não existe novidade nas declarações de Lula, que prossegue como ¿animador da República¿.

¿ Continuamos no padrão do presidencialismo de animação que ganhou dramaticidade pelo contexto da crise. O presidente acredita na sua biografia, ele é um animador encantado com sua trajetória, os fatos não comprometem a história dele porque ele recebeu dos pais uma herança moral fantástica ¿ ironizou Lessa.

Aluizio Alves, professor de Ciência Política da UFRJ, acredita que as declarações do presidente Lula são fruto de uma personalidade messiânica.

¿ Ninguém incentivou o presidente a dizer essas coisas. Ele parece acreditar em uma missão que é produto da história dele, um estadista com um dom que dispensa qualquer preparação. Se fosse uma estratégia, Lula não diria que as elites estão contra ele, porque na verdade as elites econômicas estão contribuindo para a blindagem da imagem presidencial.