Título: A mulher na esfera pública
Autor: Marcia Regina Machado Milaré
Fonte: Jornal do Brasil, 07/08/2005, Outras Opiniões, p. A11

As mulheres vêem com muito orgulho o fortalecimento da participação feminina na vida pública. E exemplo dessa participação é a ação política de parlamentares como a senadora Heloisa Helena e as deputadas Luciana Genro e Denise Frossard, dentre outras, que enfrentam com destemor os desafios do Parlamento nacional. Exibem uma postura de independência, não se dispondo ao jogo de favores, atuando nas frentes mais polêmicas e mantendo-se altivas e firmes em suas convicções e caráter. São exemplos que sedimentam a consciência sobre o papel da condição feminina em um país onde as tradições culturais favorecem a desigualdade dos gêneros.

Não por acaso, estamos vendo o ingresso firme da mulher em postos até então considerados exclusivos do homem. Vejam-se os casos de Dilma Roussef, escolhida como ministra da poderosa Casa Civil do governo Lula, e a procuradora Berenice Giannella na presidência da Febem, da estrutura do governo de São Paulo. Para tentar redesenhar as situações de alta prioridade social e política, como a questão dos menores infratores e a articulação institucional entre ministérios e órgãos da administração federal, foram chamadas mulheres consideradas fortes, pragmáticas e alinhadas ao conceito de ''linha dura''.

É sabido que o século 20 foi fundamental para o fortalecimento da participação feminina na vida pública. Nas últimas décadas, registrou-se um crescimento considerável da participação da mulher em postos-chave do mundo empresarial e da administração pública. Mas as mulheres ainda não galgaram, no país, um patamar tão elevado quanto o dos homens, pelo fato de assumir responsabilidades fora do núcleo familiar, como se demandas em outras esferas constituíssem uma traição às suas funções domésticas, de educadora de filhos, de cuidado com as coisas do lar.

Estudos mostram que os homens dedicam cerca de 10 horas mensais para sua jornada de trabalho em casa, enquanto as mulheres dedicam 30 horas. Quando a trabalhadora se transforma em chefe de família, sua vida se complica ainda mais. Já somam 11 milhões os domicílios brasileiros chefiados por mulheres, entre um universo de 44 milhões, de acordo com o Censo de 2000. O número mostra uma relação quatro por um, o que já constitui uma grande conquista em um país de cultura predominantemente machista como o Brasil.

Trata-se de um extraordinário avanço, quando se tem como parâmetro a luta das mulheres pela emancipação, cujas origens datam de 1891, quando a jornalista Josefina Alves apela à primeira Assembléia Constituinte pelo direito de voto das mulheres. O direito ao voto veio em 1932, por decreto de Getúlio Vargas, confirmado na Constituição de 1934.

Já na esfera pública, temos de reconhecer as lutas das mulheres nordestinas. A primeira prefeita brasileira foi uma potiguar, da cidade de Lajes (RN), Alzira Soriano de Souza. Outra nordestina, uma maranhense, Joana da Rocha Santos, foi a primeira prefeita a cumprir um mandato. Noca, como era conhecida, foi nomeada em 1934 pelo Governo Federal para ser prefeita de São João dos Patos. Hoje, a participação da mulher na vida pública vem crescendo. No conjunto do eleitorado brasileiro, as mulheres já são maioria, representando 51,24% do contingente eleitoral brasileiro - mais de 62 milhões de eleitoras, contra 48,60% dos eleitores masculinos. Donde se pode concluir que temos quantidade e qualidade para participar cada vez mais na vida pública. E quando o país atravessa uma séria crise, o papel da mulher ganha realce. A razão para tanto se deve aos valores do zelo, moral, dignidade e sentido de família, inerentes ao gênero. Por isso mesmo, consolida-se a participação da mulher na vida pública brasileira.

*Márcia Regina Machado Melaré é vice-presidente da Seccional Paulista da OAB