Título: Lima conta com tradição histórica
Autor: Sheila Machado
Fonte: Jornal do Brasil, 07/08/2005, Internacional, p. A13

A contestação de Lima frente à Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi) de que a origem do pisco é peruana encontra respaldo na história e nos registros públicos. Para a Enciclopédia Britânica, o pisco é uma aguardente elaborada desde o século XVI a partir de mostos de uva negra, cultivada no vale de Ica, 300 km ao Sul da capital. Para a Real Academia Espanhola da Língua, é ''uma aguardente fabricada originalmente em Pisco, lugar peruano''.

A história conta que, em 1547, os conquistadores espanhóis plantaram vinhedos do tipo ''negra corrente'' no Sul de Lima, aproveitando as águas do Achirana, um canal de desvio do rio Ica construído pelo inca Pachacutec. O resultado foi tão bom que em 10 anos o Peru já exportava vinho para a Argentina, o Chile e a Espanha. Mas os europeus sentiam faltam de seus brandies e decidiram fabricar um licor local utilizando a uva do tipo ''quebranta''. Nasceu um potente, puro e aromático brandy que ficou conhecido no mundo com o nome do porto usado para embarcá-lo: Pisco, que em quéchua - a língua dos incas - significa ''pássaro''.

Segundo os conhecedores puristas, só o litoral Sul do Peru tem o solo e o clima seco adequados para fabricar o pisco tradicional.

- São estes fatores que garantem a qualidade e a genuidade do licor de bandeira - defende Guillermo Vera, porta-voz da Academia Peruana do Pisco.

Mas o Norte do Chile também desenvolveu suas técnicas.

- O fato é que não há regras para a produção do pisco - afirma o advogado chileno Marino Porzio, especialista em propriedade intelectual.

Segundo Porzio, há registros de 300 anos atrás citando as plantações de uva para aguardente no Chile. Em 1886, o país recebeu medalhas de ouro, prata e bronze pela bebida.

- Isso significa que desde aquela época os chilenos também tinham uma reconhecida cultura de pisco - sustenta.

Mas neste século, enquanto a produção vizinha só aumentava, a peruana foi afetada pela reforma agrária nos anos 70, pelos problemas econômicos da agricultura na década de 80, pela contaminação da água de irrigação e pela substituição do cultivo de outros produtos, mais rentáveis do que a uva. Atualmente, o Peru tem apenas 800 produtores do licor na província de Pisco, segundo dados da Comissão de Promoção das Exportações (Prompex). A situação foi habilmente aproveitada pelos chilenos, para promover seu pisco no mercado internacional.

Foi para fazer frente à investida rival que o peruano Instituto de Defesa da Competição e da Propriedade Intelectual (Indecopi) começou a campanha para reivindicar internacionalmente a titularidade e a procedência do pisco. O principal fundamento da demanda é justamente a história da bebida, que remonta ao fim da era incaica.

Embora a uva ''quebranta'' seja a tradicional para a fabricação da disputada aguardente, há no Peru outras sete variedades que produzem o pisco aromático, o não-aromático, o ''tímido'' - mescla de uva itália com quebranta - e o mosto verde. (S.M.)