Título: A reforma previsível
Autor: Magno de Aguiar Maranhão*
Fonte: Jornal do Brasil, 08/08/2005, Outras Opiniões, p. A11

O ex-Ministro Tarso Genro fechou com ''chave de ouro'' sua estada na pasta da Educação, entregando ao presidente a versão final do Anteprojeto de Lei da Reforma da Educação Superior, objeto de debates desde o governo anterior, quando a LDB, em 1996, acenou com transformações marcantes neste nível de ensino - abafadas pelo projeto atual. O texto, bem conciso, acolheu algumas sugestões de entidades, mas fica claro - e claro estava já na primeira versão -, que o governo nunca pretendeu arriscar grandes inovações na forma como o sistema de educação superior brasileiro está estruturado.

O texto agradou, sobretudo, a setores preocupados com a situação mambembe das instituições federais de ensino superior (Ifes). Para sua manutenção, o MEC vincula 75% do orçamento da União destinado à educação. Além disso, suas universidades, enfim, terão a autonomia que a Constituição já lhes garantia. Tivesse o MEC se limitado a elaborar normas e metas para as federais, o texto teria sido sucesso de público e crítica. Até alunos aplaudiram o capítulo dedicado às Ifes, que terão que oferecer 1/3 dos cursos no período noturno e destinar recursos correspondentes a pelo menos 9% de sua verba de custeio para medidas de assistência estudantil.

Visando à democratização do acesso, o MEC insistiu na reserva de 50% das vagas das federais, até 2015, para quem cursou o ensino médio público, afrodescendentes e indígenas. Aos que exigem ''cotas já'', o novo ministro da Educação, Fernando Haddad, apressou-se em explicar, ao ser empossado, que ''a meta para 2015 é o ''atingimento dos indicadores por curso'', pois, por instituição, vai vigorar 240 dias após aprovação do projeto de lei de cotas em tramitação no Congresso. Acrescentou que as Ifes terão que ''promover mudanças em sua cultura'' para se adaptarem a ''essa nova forma de seleção''. Não sugeriu como. Talvez porque não faça idéia. Ao entregar o anteprojeto, o ex-ministro afirmou que ''hoje, os filhos da classe operária têm chance de, ao entrar na alfabetização, projetar a vida na universidade''. Esqueceu de dizer que não conseguirão isso por meio de um bom ensino público, mas porque as lacunas deixadas pelas escolas onde estudam serão relevadas ao cruzarem os portões da universidade.

As medidas no âmbito das Ifes são o chamariz do anteprojeto. Reforma, não há. Inovações possibilitadas pela LDB, como os centros universitários, foram travadas. Os centros universitários têm confirmada a perda da autonomia que os equiparava às universidades. Insiste-se no tripé ''ensino/pesquisa/extensão'' como se, sem ele, a qualidade do ensino fosse despencar. O fato de desenvolverem programas de pós-graduação strictu sensu dá às universidades o direito de gozarem autonomia plena e suas benesses. Ifes vocacionadas para o ensino não merecem, desconhecemos o porquê, tanta confiabilidade.

O documento prevê sanções para Ifes que não sanarem deficiências detectadas em processos de avaliação. As instituições de ensino superior privadas são o alvo. Ao final do artigo, frisa-se que, ''no caso de instituição pública, o órgão do Poder Executivo responsável por sua manutenção acompanhará o processo de saneamento e fornecerá recursos adicionais, se necessários, para superação das deficiências''. Que as particulares são mais suscetíveis à incompetência e as públicas, imune a esses males, devem ser tratadas com complacência.

Alterações são possíveis no Congresso, pois reivindicações importantes foram ignoradas. Universidades estaduais, por exemplo, reguladas pelos conselhos de educação dos estados, estranhamente são consideradas ineptas para avaliar seus próprios programas de pós-graduação e têm que submetê-los ao aval da Capes. O alerta que enviaram ao ex-Ministro sobre o despropósito da determinação não foi considerado. Uma questão a mais que o MEC deixa sem resposta.

*Magno de Aguiar Maranhão é conselheiro do Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro